sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008


Exercitar o cérebro

sem abolir o vídeo game

Por Rildo Ferreira

Senhoras e senhores. Vejam vocês como a língua portuguesa precisa ser explicada quando escrita. Sobre o assunto Infâncias de ontem e de hoje: diferenças determinantes, não houve a intenção de questionar os avanços tecnológicos; não era a intenção discutir a influência mercantilista em nossas vidas e menos ainda chorar porque não controlo minha filha. E não controlo mesmo! Ela não nasceu para ser controlada, mas para ser educada e viver livremente.

Então qual era a intenção de rever minha infância e compara-la à infância de hoje?

Ora, eu procurei mostrar que as minhas dificuldades me levaram a exercitar o cérebro, criar meus próprios brinquedos, inventar algumas histórias. Ouvíamos os "velhos" com atenção. Suas narrativas aguçavam nossas imaginações. Quantas vezes ouvimos histórias de alguém que caminhava numa estrada escura quando voltava de um determinado evento, e ao caminhar ouvia barulhos repetitivos como se alguém o seguisse. Não conseguindo ver quem o seguia, apressava o passo e quanto mais veloz seguia, mais veloz os sons se repetiam. Somente ao chegar em casa sentia-se aliviado. Vez por outra alguém dizia que era o barulho da própria calça que resvalava uma perna na outra. Isso aos nossos ouvidos era fantástico. Reproduzíamos essas histórias com mais requinte de sinistros.

Bem, alguém (me perdoe por não lembar o nome agora) disse em uma resposta que os vídeos games são também educativos. Há controvérsias. Estou ainda muito cético quanto ao caráter pedagógico dos games. E por que eu digo isto? Assim como Piaget eu também adoto meus filhos como "objetos" de constante estudo. Minha filha utiliza um site chinês com "jogos educativos". Analisando o comportamento dela cheguei a conclusão de que ela apenas repete aquilo que o game pede que ela faça, ou seja, quando aparece um lápis, ela clica numa palavra, digamos, "chair". E o game diz que ela errou e precisa tentar novamente. Depois ela clica em "cup" e o game diz que ela errou e precisa tentar novamente. Esse processo se repete até que ela clica na palavra "pencil" e o game manifesa aplausos e gritos de "Ok! You Win". Ora bolas, "Para explicar por que um macaco aprendia a resolver um jogo de encaixes, os psicólogos usavam expressões confusas - será que o macaco 'pensava' ou procedia por 'ensaio e erro' para achar a solução? - ao passo que o óbvio seria conceituar que o animal simplesmente repete comportamentos que são bem-sucedidos, aqueles que têm como consequência a aquisição de uma banana, por exemplo (Cunha, 2001*)".

Com efeito, o que nos lembra a gaiola de Burhus F. Skiner com seus ratos e o Condicionamento Operante? Esse condicionamento não está presente nos games? Quando a criança não alcança o objetivo (que é o de receber os aplausos e os gritinhos de "você venceu!") ela volta a fase anterior e repete o procedimento com uma alternativa diferente. Agora, convenhamos, isso é educação ou adestramento? Normalmente os games adestram. Os jogadores repetem seus movimentos até que ele alcance o seu objetivo. Uma vez conquistado ele busca um nível mais elevado. Entretanto, ao concluir uma fase, há que ser questionado qual foi o aprendizado adiquirido. Não sou contra os videos games. Não sou contra a tecnologia. Concordo com todos que pensam que esses novos instrumentos precisam estar presente na vida das crianças e em sala de aula, inclusive, estando, assim, de acordo com o que disse Eiterer "Não creio que devemos dispensar essas tecnologias. Usar essas tecnologias se tornou um imperativo porque elas facilitam demais ações que antes demandavam muito tempo e muita gente". Mas ainda preciso ser convencido de que há jogos que educam de fato e não adestram, como penso.

Vejam que se penso desta forma não pretendo tirar os vídeos games das crianças. Meus filhos usam o computador para entretenimento com jogos diversos. Mas eu não abro mão de ler algumas histórias para fazê-los dormir. Não abro mão de reiventar minha infância fazendo os brinquedos que eu fazia como carrinhos, casinhas, cata-ventos etc. Estou tentando fazer com que exercitem a capacidade de pensar, de inovar, de inventar, de criar suas próprias histórias. Minhas filhas de 13 anos (uma biológica outra adotiva) eu as estimulo a escrever suas opiniões quanto ao dia em que viveram narrando o que foi bom e o que foi ruim. Cada vez que elas buscam seus cadernos para registrar um fato é um exercício mental, reflexivo. Eis a questão eloqüente. Reflexão.

Minha filha de 5 anos, vendo o comercial da Globo News onde aparece personagens entre aspas, me questionou sobre o que vem a ser opinião. Logo hoje, ao fazer um pequeno reparo em frente a garagem ela me questionou o porquê eu fazia aquilo. Ao responder que era para que o carro da mamãe não atolasse ela me disse: "Eu não sei o que é atolar". Pois bem. Esses dois exemplos já mostram que mesmo usando os games para entretenimento, a minha participação é fundamental para que ela não seja adestrada, mas seja capaz de questionar, de procurar entender as coisas. Essa é a minha preocupação com as crianças que são "deixadas" nos vídeos games para "não dar trabalho", não atrapalhar o papai com a cerveja nem a mamãe com a novela.

______________________________________
(*) CUNHA, Marcos Vinicius da. Psicologia da Educação. Rio de Janeiro. DP&A, 2002.
Desenho: Eduarda Moreira, se retratando.

Nenhum comentário: