sábado, 26 de abril de 2008

PRECONCEITO LINGÜÍSTICO: ANÁLISE
Por Rildo Ferreira dos Santos


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Introdução


“O gaúcho fala engraçado. Parece que fala cantando”

Esta mensagem não deve ser considerada preconceituosa pois expressa uma opinião daquele que é diferente e que vive em meio aos seus. Ela foi proferida na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, por um cidadão carioca que teve contato com um grupo de turistas gaúcho. Depois, achar uma coisa engraçada não significa rejeição. A rejeição é uma característica absoluta (não única) do preconceito.

Entretanto, uma tendência banalizada é a de considerar que aquele que não fala exatamente como os outros indivíduos do meio em que se está inserido, fala errado. Foi assim que considerou um outro carioca no Jardim Zoológico no Rio de Janeiro ao ouvir um paulista gritar para um macaco prego para se balançar na “cóida” dizendo, “ridículo! Não sabe nem falar direito”. Ora, quem foi que disse aos cariocas (aqueles que consideram assim) que o carioquês é a língua oficial brasileira e que é a correta para ser utilizada na linguagem falada?

Fatos como este, e outros que são largamente comentados, como aquele em que um indivíduo econômica e culturalmente abastecido considera ignorante aquele que fala diferente dele, são abordados na obra de Marcos Bagno. É sobre esta obra que este artigo se debruça para um debate acerca do preconceito lingüístico amplamente enraizado na sociedade moderna.

Antes de falar de Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz, vamos falar do autor Marcos Bagno. É preciso esclarecer que, neste caso, quase tudo foi extraído e mantido como pode ser encontrado no site www.marcosbagno.com.br. Mas consideramos ser de fundamental importância conhecer minimamente a história daquele que coloca em questão a arrogância de quem se acha superior ao outro, ao diferente.

Logo vamos tratar da obra em si. Conhecer as posições do autor dialogando com a nossa realidade. Por fim, vamos fazer uma análise crítica no sentido de apresentar o nosso ponto de vista.


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Sobre o autor


Mineiro de Cataguases (MG), Marcos Bagno se tornou professor do Departamento de Lingüística da Universidade de Brasília (UnB), onde atua na graduação e no programa de pós-graduação em Lingüística. Coordena atualmente o projeto IVEM (Impacto do Vernáculo sobre a Escrita Monitorada: mudança lingüística e conseqüências para o letramento escolar).

Como escritor, Bagno iniciou sua carreira em 1988 ao receber o IV Prêmio Bienal Nestlé de Literatura pelo livro de contos A Invenção das Horas, publicado pela Editora Scipione, além de outros prêmios importantes como "João de Barro" (literatura infantil, 1988), "Cidade do Recife" (poesia, 1988), "Cidade de Belo Horizonte" (contos, 1988), "Estado do Paraná" (contos, 1989) e "Carlos Drummond de Andrade" (poesia, 1989). Alguns de seus livros receberam da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil a classificação de "Altamente Recomendável". Desde 1997, tem se dedicado à produção de obras voltadas para a educação... Suas obras no campo da lingüística se concentram principalmente nas questões relativas à crítica do ensino da língua portuguesa nos moldes tradicionais, baseados exclusivamente nas noções pouco consistentes da gramática normativa e impregnados de preconceitos sociais. Seu primeiro trabalho nessa linha foi A língua de Eulália (novela sociolingüística), publicado pela Ed. Contexto em 1997 e desde então constantemente reeditado.

No campo da investigação científica e acadêmica, Bagno sempre se interessou pelo que diz respeito à linguagem humana em todas as suas manifestações. Se graduou em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde também obteve o título de Mestre em Lingüística com uma investigação sociolingüística sobre o tratamento da variação nos livros didáticos de português. Obteve o título de Doutor em Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) com uma tese sobre as discrepâncias entre a língua realmente utilizada pelos brasileiros e a norma-padrão conservadora, veiculada pelas gramáticas tradicionais, pelos livros didáticos e pela mídia, que se baseiam em doutrinas ultrapassadas e não refletem a realidade da língua viva.

Em 2001, publicou o livro Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa (Parábola Editorial), que propõe uma metodologia para a introdução da prática da pesquisa em sala de aula como ferramenta pedagógica para substituir a prática tradicional das "aulas de gramática". Organizou os volumes Norma lingüística (2001) e Lingüística da norma (2002) (ambos pelas Ed. Loyola) e Língua materna: letramento, variação & ensino (Parábola, 2002). Traduziu História concisa da lingüística de Barbara Weedwood (Parábola, 2002) e Para entender a lingüística de Robert Martin (Parábola, 2003). Retomando seu trabalho de ficcionista, Bagno escreveu O espelho dos nomes (Ática, 2002), uma aventura pelo reino fascinante da linguagem, dedicada ao público infantil e juvenil. Em 2005, publicou mais três livros dedicados ao público infanto-juvenil: Murucututu: a coruja grande da noite (Ática), Uma vida de conto de fadas: a história de Hans Christian Andersen (Ática) e A Lenda do Muri-Keko (Ed. SM).

Em 2003 publicou o livro A norma oculta: língua & poder na sociedade brasileira (Parábola Editorial), em que retoma a discussão sobre o preconceito lingüístico a partir da reação da imprensa brasileira à eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República. Discute os problemas que envolvem a expressão "norma culta" e propõe novos termos e conceitos para uma análise mais precisa da realidade sociolingüística do Brasil. Examina as relações entre língua e poder na sociedade brasileira, numa perspectiva histórica, desde o período colonial até os dias de hoje.

Preconceito lingüístico: o que é, como se faz (Ed. Loyola), desde seu lançamento, em 1999, vem sendo reeditado de modo ininterrupto e constante, com uma edição nova a cada mês. Já perto de atingir sua 50ª edição, o livro é amplamente utilizado nos cursos de Letras e Pedagogia de todo o Brasil. È sobre esta obra que vamos falar no próximo tópico.


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Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz - a obra.


Esta obra é uma importante ferramenta para a ruptura dos movimentos preconceituosos de uma classe hegemônica que, antes de tudo, avilta os menos favorecidos, esgarça as diferenças sociais, numa tentativa desenfreada de manutenção do status quo. Esta classe afirma que o povão, termo utilizado para identificar a imensa maioria de pobres, usa uma linguagem inapropriada. Em outras palavras, não sabe falar, são ignorantes. Usando o termo povo para identificar a maioria desfavorecida esta classe se coloca como elite, acima do povo, condenando um brasileirismo que é utilizado em todas as camadas sociais (Luft, 2000).

Partindo desse pressuposto, Bagno se propõe a derrubar os mitos do preconceito lingüístico perpetuados pelo ensino da gramática nas escolas. Enumerando-os de 1 a 8, ele começa mostrando que até intelectuais com visão crítica, e bons observadores dos fenômenos sociais brasileiros se deixam trair por ele. É o caso de Darcy Ribeiro que, escrevendo para o jornal Folha de São Paulo em 5/2/1995 unificou a língua de todo o povo brasileiro, “sem dialetos”, disse.

Essa visão da unicidade da língua, para o autor, tem sido prejudicial à educação porque tenta impor uma norma lingüística como se a língua fosse comum a todos os mais de 180 milhões de brasileiros, independentemente das diferenças sociais, geográficas, etárias etc. Neste primeiro mito, o da unicidade da língua, merece ser destacado por sua visão crítica de como a escola tem tratado da questão. Mantida pela classe social dominante, ela impõe no ensino a variedade idiomática culta, aviltando e desqualificando as outras variedades, numa natural discriminação sociolingüística (Luft, 2000 : p.81).

Como nem todos têm acesso à escola, cria-se um abismo lingüístico onde poucos privilegiados se apropriam desta norma literária, norma culta, “empregada por escritores e jornalistas, pelas instituições oficiais, pelos órgãos do poder” (Bagno, 2001) e onde a maioria absoluta fica à margem, excluída dos seus direitos. Estes, para o autor, podem ser chamados de sem-língua. Citando Maurzzio Gnerre, que diz em seu livro Linguagem, escrita e poder, que a Constituição Brasileira afirma a igualdade entre os indivíduos, embora ela mesma seja discriminatória, dada que foi redigida apenas para uma parcela da população que é capaz de entende-la (p. 17).

Marcos Bagno: E essa história de dizer que
"brasileiro não sabe português" e que "só em Portugal se fala bem o português"
[é] uma grande bobagem, infelizmente transmitida de geração a geração pelo
ensino tradicional da gramática na escola.


O segundo mito, “Brasileiro não sabe português/Só em Portugal se fala bem português” Bagno faz uma dura crítica a Arnaldo Niskier que, ao escrever para o jornal Folha de São Paulo em 15/1/1998, destila preconceito de desprezo pela adversidade afirmando que nunca se escreveu e falou tão mal o idioma de Ruy Barbosa. A dureza da crítica se estende a outros, como o filólogo Cândido de Figueiredo pela afirmação de que nossos escritores e a imprensa periódica conspiram contra a língua dando “curso às mais extraordinárias invenções e enxertos de linguagem”, como se os romancistas, poetas, prosadores e jornalistas não reproduzissem a língua falada pelo povo.

Na citação que faz a Luiz Antonio Sacconi ele procura mostrar como é que intelectuais que fazem parte de uma elite que se coloca acima dos brasileiros comuns tentam impor uma língua usada por todos os portugueses sem considerar que não somos portugueses, ainda que pese uma grande influência deste povo na constituição da nação brasileira. Isso sem contar que os portugueses também cometem seus erros contra a gramática normativa. Como explica Bagno, os portugueses usam vocês enquanto a gramática normativa diz que o plural de tu é vós, chamando a atenção para uma “mistura de tratamento” que deve ser tratada cientificamente como uma “reorganização do sistema pronominal da língua, tanto a de lá como a de cá”.

O terceiro mito “Português é muito difícil” pode ser resumido da seguinte maneira: a língua portuguesa do Brasil é tão fácil que até uma criança de 3 anos de idade consegue internaliza-la e, aos poucos, consegue se comunicar com os seus pais e amiguinhos. A gramática (e os gramáticos) é que não acompanham as variações que a língua sofre no decorrer dos anos e perpetuam verdadeiros fósseis gramaticais, tentando nos fazer acreditar que estamos corrompendo a língua que falamos e que só eles podem salvar a língua portuguesa da decadência.

No quarto mito “ as pessoas sem instrução falam tudo errado” apresenta-nos um quadro com fenômenos fonéticos que contribuíram para a formação da própria língua portuguesa padrão. Branco, por exemplo, é de origem germânica e derivou da palavra blank, assim como outras palavras que originaram do latim como brando (do latim blandu), escravo (sclavu), obrigar (obligare), praga (plaga) etc.

Bagno mostra que Luis de Camões, autor do clássico Os Lusíadas, sofria do mesmo mal do “atraso mental” que os “ignorantes” dos nossos dias sofrem. Ele escreveu ingrês, pubricar, pranta, frauta, frecha...

Se dizer Craudia, praça, pranta é considerado “errado” e, por outro lado dizer frouxo, escravo, branco, praga é considerado “certo”, isso se deve simplesmente a uma questão que não é lingüística, mas social e política – as pessoas que dizem Craudia, praça, pranta pertencem a uma classe social desprestigiada, marginalizada, que não tem acesso à educação formal e aos bens culturais da elite, e por isso a língua que elas falam sofre o mesmo preconceito que pesa sobre elas mesmas, ou seja, sua língua é considerada “feia”, “pobre”, “carente”, quando na verdade é apenas diferente da língua ensinada na escola (Bagno, 1999).

Ele também mostra que nas diferentes regiões do Brasil os dialetos são diferentes muito em função da palatização, mas que também sofreu a influência do processo colonizador e ainda sofre com o subdesenvolvimento, com a miséria e a pobreza.

Outro mito “o lugar onde melhor se fala o português no Brasil é o Maranhão”é criticado porque “não existe nenhuma variedade nacional, regional ou loca que seja intrinsecamente ‘melhor’, ‘mais pura’, mais bonita’, ‘mais correta’ que outra. Toda variedade lingüística atende às necessidades da comunidade de seres humanos que a empregam’ (Bagno, 1999). Neste tópico há uma crítica ao Pasquale Cipro Neto por uma entrevista concedida a Revista Veja em 10/9/1997 dizendo que o grande número de imigrantes em São Paulo não seria suficiente para explicar o português esquisito dos paulistanos, atribuindo aos cariocas a melhor expressão sob a ótica da norma culta. Ora, quais foram os critérios que levaram Pasquale C. Neto a concluir que o sotaque paulistano é esquisito e o sotaque carioca é o mais apropriado à norma culta? Há, nesta afirmação, uma rejeição ao sotaque paulistano, o que implica dizer “puro preconceito”.

“O certo é falar assim porque se escreve assim” é o título que orienta o sexto mito. Sobre este assunto, Bagno invoca as inflexões da língua falada que denotam os sentimentos expressos e que, na escrita, faz-se necessário a utilização de complementos para a interpretação correta daquilo que o autor tentou passar. Além dessa inflexão corrente na língua falada e que não se apresenta na língua escrita, há outro fator que inverte a razão do mito. Ou seja, a espécie humana tem, pelo menos, um milhão de anos e as primeira formas de escrita surgiram há apenas nove mil anos. Antes disso, a humanidade falava sem a necessidade da escrita. A gramática, portanto, surgiu com o objetivo de investigar as regras da língua escrita para preservar as formas mais “corretas” da língua literária, não com o objetivo de mudar a forma de falar.

Outro mito questionado pelo autor diz que “é preciso saber gramática para falar e escrever bem”. Ora, a gramática normativa não estabelece o que é a norma culta. A gramática tem como fim definir, identificar e localizar os falantes cultos, coletando a língua usada por eles para descreve-la de forma clara, objetiva e com critérios teóricos e metodológicos coerentes.

Fechando o ciclo mitológico, Bagno mostra que o preconceito lingüístico é uma sombra que tenta ocultar e justificar o preconceito social. “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social” não passa de mito ou, se assim fosse, os professores ocupariam o topo da pirâmide social, e não é isto o que ocorre. Ao contrário, estes recebem salários aviltantes e são constantemente desrespeitados nos seus direitos mais elementares.

No Capítulo 2 ele fala sobre os quatro elementos que compõem o círculo vicioso do preconceito lingüístico que são a gramática tradicional, os métodos tradicionais de ensino, os livros didáticos e os comandos paragramaticais; dizendo que a gramática tradicional inspira a prática de ensino, que por sua vez provoca o surgimento da indústria do livro didático que recorrem à gramática tradicional como fonte de concepções e teorias sobre a língua. Para fechar o círculo, o que ele chamou de comandos paragramaticais, que engloba todo o arsenal de livros, manuais de redação jornalístico, programas de rádio e de televisão, colunas de revistas e jornais, CD-ROMS, “tele-gramática” e tc.

Neste capítulo ele faz uma dura crítica ao professor Napoleão Mendes de Almeida por seu Dicionário de questões vernáculas onde discrimina as várias línguas brasileiras. “Língua de cozinheiras” e de “infelizes caipiras” na expressão do professor Napoleão são para Bagno puro preconceito lingüístico. Estende as críticas a Luiz Antonio Sacconi em seu livro Não erre mais!, pelo grande volume de expressões preconceituosas, e também a Dad Squarisi, em artigo publicado no Diário de Pernanbuco numa coluna chamada “Dicas de Português”, afirmando que no texto “pululam as palavras de conteúdo semântico fortemente preconceituoso”.

No terceiro capítulo de Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz, Bagno se preocupa com a desconstrução do preconceito chamando para a reflexão e para o reconhecimento da crise no ensino da língua portuguesa. Sua proposta inicial é de uma mudança de atitude, impondo-nos como falantes competentes de nossa língua materna. Para aquele que educa, não aceitar dogmas e adotar uma nova postura crítica em relação com o seu objeto de trabalho: a norma culta.

O educador – educadora deve postular uma linguagem compreensível e não se deter nos erros de ortografia. Corrigi-los também, mas secundariza-los. Os erros ortográficos não devem servir de motivo para rotular aquele que aprende. Por fim, ele apresenta um quadro que serve de “corte no cordão umbilical que sempre nos prendeu às velhas doutrinas gramaticais...” e que sintetiza toda a obra.

No quinto e último capítulo do livro ele remonta todo esse histórico do preconceito lingüístico citando autores renomados, jornais e revistas, que tem se preocupado na perpetuação deste e de outros preconceitos com vistas a manutenção do status quo. Seu questionamento merece reprodução para uma reflexão conclusiva. “A quem interessa defender o ‘português ortodoxo’ de uns pouquíssimos ‘melhores’ contra a suposta ‘heresia gramatical’ de muitos milhões de outros?”


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A crítica faz sentido




...Enquanto o brasileiro não se abrasileirar é um
selvagem. Os tupis nas suas tabas eram mais civilizados que nós em nossas casas
de Belo Horizonte e São Paulo. Por uma simples razão: não há uma civilização. Há
civilizações... Nós, imitando ou repetindo a civilização francesa ou alemã,
somos uns primitivos, porque estamos ainda na fase do mimetismo.(apud Daniel
Pécaut. Os intelectuais e a política no Brasil. São Paulo. Ática, 1990. p.
27)


Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz nos traz de forma clara o que sabemos existir, inclusive em nós mesmos, sem admiti-lo. O preconceito é uma cultura que remonta os tempos da ocupação das terras brasileiras. É possível considera-lo um mal que começa a ser desvendado e, como moléstia, precisa de tratamento terapêutico com o paciente sabendo do mal que lhe ocorre e que luta para livrar-se dele. Como não há uma cura definitiva, o paciente deve reconhecer sua doença (o preconceito) e travar uma luta diária para não permitir que ela se manifeste nas diversas situações.

Um vídeo do projeto Olho Vivo da cidade de Curitiba/PR, de título Um Olhar Crítico da Cidade de Curitiba, mostra professores e alunos debatendo sobre o preconceito racial presente na sociedade curitibana, e um dos alunos textualmente diz: “Na minha própria família, putz!... Eu fico de cara com isso porque, eles são racistas, me ensinam, se auto-ensinaram a omitir que são. Por conta dessa minha cultura descendente eu sei que eu sou, mas eu tento não ser racista”.

Marcos Bagno em sua obra em discussão ele mostra que o preconceito lingüístico traz embutindo outros preconceitos como o social e o racial. E ele também levanta a questão de que a escola reproduz esse preconceito, ainda que alguns educadores o fazem de modo “inocente” porque também foram educados assim, e para perpetuar esse estado de coisas. Ora, “em todas as sociedades existe alguma diferença de status ou de papel entre indivíduos ou grupos, estas diferenças se refletem na língua” (Possenti, 2006: p. 34).

Assim, o ensino da língua portuguesa reproduz o modelo da classe hegemônica e fazem da gramática normativa o eixo condutor que pode livrar as pessoas da ignorância, ensinando-as a falar corretamente, como se fosse possível dizer qual é o modo correto de falar, considerando a diversidade lingüística do povo brasileiro. Celso Pedro Luft (2000) afirma em seu livro Língua e Liberdade (Ática) que “Mantida pela classe social dominante, a escola impõe no ensino obviamente a variedade idiomática culta, relegando e desprestigiando as outras variedades, numa natural discriminação sociolingüística (p.81)”.

Um fato ocorrido numa escola estadual no município de Queimados/RJ mostra que o ensino da Língua Portuguesa está distante da realidade dos alunos, o que provoca uma rejeição precoce da disciplina. O professor dissertava sobre substantivos e adjetivos. Os alunos estavam dispersos e o professor insistia no assunto. Quando os alunos foram questionados sobre o comportamento em sala, um dos alunos perguntou: “professor, se me perguntarem o que é um elevador (este era o substantivo de uma frase), quem me pergunta quer saber se eu sei o que é um elevador, ou se eu sei que um elevador é um substantivo?”. Este é um problema que a escola apresenta hoje. Estamos ensinando a gramática normativa como se ela pudesse alterar o curso da história e não o contrário, a história alterar a gramática normativa.

Todos sabemos falar. As crianças não conseguem ler –e nem sabe que existe gramática normativa, mas são bem sucedidas na internalização da linguagem materna (Possenti, 2006: p 21). As regras básicas de comunicação ele aprende no convívio familiar e que, em muitos casos, os pais tem pouco ou nenhum estudo, portanto, desconhecendo integralmente o que vem a ser norma culta da língua portuguesa.

Não é possível estabelecer uma unidade lingüística num país como o Brasil onde há variantes regionais, culturais, mas sobretudo sociais, onde poucos têm acesso privilegiado e a grande maioria são aviltadas dos seus direitos mais elementares. Por isso o ensino da língua portuguesa deve procurar conseguir que os alunos desenvolvam e aprimorem sua capacidade comunicativa. “O melhor “ensino” gramatical da língua culta se cumpre no consumo diuturno das letras –lidas e escritas. Ler e escrever, escrever e ler – é conviver com a gramática em funcionamento. Nada, em linguagem, se faz sem gramática. E os melhores textos se fazem com a melhor gramática (incluídas naturalmente regras de arte da linguagem) (Luft, 2000: pp. 94; 108).



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Conclusão


O livro Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz é um convite à reflexão. São muitas as manifestações preconceituosas que se desenlaçam no preconceito lingüístico A classe hegemônica impõe um ensino da norma culta para manter a sociedade tal como ela se apresenta, com suas profundas desigualdades e injustiças. É a manutenção do status quo que faz milhares de homens e mulheres “vitimas de verdadeira inquisição gramatical” (Luft, 2000: p.95).

Ora, Nem o português de Portugal foi sempre o português, não foi sempre como é. Ou seja, aprendemos que o português veio do Latim e o Latim não é uma língua totalmente pura pois também derivou de outra língua (Possenti, 2006: p. 37). Isso quer dizer que a língua sofre variações ao longo dos anos e, portanto, não é justo manter imutável uma gramática normativa, que seja eterna. Se o objetivo da língua é fazer com que todos e cada um possam se comunicar corretamente, de modo a ser compreendido e compreender, isto já fazemos muito bem. Inclusive crianças na tenra idade que nada conhecem de regras gramaticais.

Logo, aquele que se propõe a ser um educador ou educadora deve pautar-se nas críticas da obra de Bagno e postular uma mudança de atitude com vistas à superação dos mais variados preconceitos, sobretudo do preconceito lingüístico. Concluímos, portanto, com um repensar a forma de ensinar (se é que é possível) o ensino da língua portuguesa. Não se deter nas questões gramaticais e aprofundar na produção de textos e na leitura de bons textos. Respeitar a variedade lingüística de todos e da cada um, o que no modo de ver do autor, significa ensinar para o bem valorizando o conhecimento intuitivo de quem aprende. Ensinar bem e para o bem é elevar a auto-estima, acrescentar cultura e não suprimir; é respeitar a identidade do outro.

Esse diálogo nos remete ao pensamento de Paulo Freire sobre o respeito aos saberes do educando. Ele afirma que “Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela saberes socialmente construídos na prática comunitária... (Freire, 1996. Pg 30)”. Ensinar bem e para o bem, é fazer o aluno sentir o desejo de voltar à sala de aula e não de rejeita-la. Então, adotar uma nova práxis educacional, esboçando um novo paradigma que substitua o ensino-aprendizagem que se baseia numa relação obsoleta, desestimulante, propondo uma relação educacional que se fundamenta no desenvolvimento criativo, que preserva a diversidade nessa relação planetária onde o respeito, a solidariedade e a cooperação sejam bases fundamentais para alicerçar o comportamento do professor/a com vistas a superação das dificuldades e da melhoria das condições de vida para todos e onde a forma lingüística falada não seja vista como inferior, mas diferente.


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Bibliografia



Bagno, Marcos. Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz. 49a. ed. São Paulo. Loyola, 2007



Possenti, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. 16a. ed. Campinas, SP - Mercado de Letras, 2006.



Luft, Celso Pedro. Língua e Liberdade. 3a. ed. São Paulo. Ática, 1996.



FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. [Saberes Necessários à Prática Educativa]. 35a. ed. São Paulo. Paz e Terra, 1996 (coleção leitura).

domingo, 23 de março de 2008

Brincando e aprendendo com Matemática
Por Rildo Ferreira


INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por finalidade apresentar uma proposta de atividade lúdica com vistas à introdução do aprendizado da Fração e da Geometria no ensino da matemática para a 5a. série do ensino fundamental (6o. ano). Ele está restrito a estas duas temáticas considerando uma dificuldade em se promover uma atividade única com o propósito de contemplar todos os temas previstos para a série, mas também pode ser utilizado para explicar sobre números decimais, unidades de medida e conjuntos, como demonstraremos adiante.

A idéia é estabelecer uma conexão entre os temas propostos e a concreticidade na vida de cada um, fazendo o educando perceber que frações e geometria estão presentes nos objetos, na economia, no trabalho, no lazer etc., e desse modo, diminuir a rejeição precoce daquele que é levado ao ensino da matemática e proporcionar, para quem ensina, uma atividade que perpassa o espaço restrito da sala de aula e da lousa para um espaço que permita um aprender-fazendo.

Este é o desafio. Esta é a proposta que se segue.


A ATIVIDADE

O que se propõe é uma competição entre grupos de alunos de uma mesma classe. O que está em disputa pode ser tratado de duas maneiras distintas: a primeira se restringe à classe e pode ser definido como uma pontuação para um trabalho de grupo; a segunda requer um entendimento interdisciplinar, ou seja, os pontos adquiridos na competição o aluno/a poderá utiliza-los em qualquer disciplina que desejar.

Os grupos serão levados a um espaço aberto onde seja possível fazer medição de até 50 metros. Neste espaço devem ser feitas duas retas paralelas distanciadas por 5 metros uma da outra. No fazer das retas é preciso que cada aluno/a possa adquirir a compreensão de que retas são pontos contínuos e lineares. O objetivo desta separação entre as retas por uma distância de 5 metros é levar cada grupo a estabelecer uma possibilidade de se fazer uma medição sem os instrumentos adequados como metro, fita-métrica ou trena. Então, cada grupo conta, em passos, esta distância.

Quando os grupos concluírem suas medições e estabelecerem seus parâmetros de medida, serão levados a uma disputa para saber quais dos grupos, partindo de um ponto A, estabeleça um ponto B, a uma distância de 30 metros (ou outra medida). O grupo que acertar a medida exata fica com 2 pontos. Em não havendo um acerto exato, o grupo que mais próximo ficou do objetivo, que é o de alcançar os 30 metros, ganha 1 ponto.

O propósito desta atividade é alcançar os conceitos de fração e de geometria, podendo se estender também, aos conceitos de unidades de medida e de conjunto, de maneira bastante dinâmica e interativa, considerando que os alunos e alunas dos grupos estabelecerão conjuntamente os critérios para alcançarem os objetivos permeando entre eles raciocínio e criatividade.

A FASE PREPARATÓRIA


  • A educação para a cidadania, que é um dos grandes objetivos da educação de hoje, exige uma ‘apreciação’ do conhecimento moderno, impregnado de ciência e de tecnologia. Assim, o papel do professor de matemática é particularmente importante para ajudar o aluno nessa apreciação, assim como destacar alguns dos importantes princípios éticos a ela associados ((grifo meu) D’Ambrósio, 1996).

A fase preparatória começa exatamente de onde se quer sair, ou seja, na sala de aula. O professor de matemática deve explicar os objetivos que se pretende alcançar colocando os temas na pauta da aula. Feitas explicações necessárias, a classe será dividida em grupos de y elementos, obrigando que cada grupo tenha meninos e meninas para um justo equilíbrio. Um aprendizado neste ato é o de conviver com o diferente, o da aceitação do oposto no grupo e, também, do equilíbrio entre grupos (relações de forças entre classes). Isto pode não ter significado matemático, mas tem uma importância significativa para a cidadania, a qual deve ser uma das finalidades da educação, sobretudo do ensino da matemática (D’Ambrósio, 1996). Ora, Nesta fase já é possível levar o aluno/a compreender a noção de conjunto e de fração. Ou seja, os alunos e alunas da classe juntos formam um conjunto de x elementos. Ao separar em grupos estamos fracionando a classe criando subconjuntos. Este desenrolar pode ser representado pelo esquema abaixo:





Outras experimentações durante a competição podem levar os alunos/as a compreenderem a idéia de interseção ou de união, como o exemplo de interseção que passo a expor: entre dois grupos em competição, é selecionado um elemento de cada grupo para fazer o embate (fazendo a medição do espaço proposto). Esses dois elementos formam um novo conjunto e será chamado conjunto C interseção de AB. Veja o esquema abaixo.


A COMPETIÇÃO

Com a divisão dos grupos já concretizados, serão levados à um espaço aberto onde seja possível fazer medição de até 50 metros. Neste espaço devem ser feitas duas retas paralelas distanciadas por 5 metros uma da outra. No fazer das retas é preciso que cada aluno/a possa adquirir a compreensão de que retas são pontos contínuos e lineares e de que entre dois pontos, só é possível uma reta. Esta tarefa deve receber o auxílio de um objeto de medição como metro, trena ou fita-métrica e deve ser feito pelos alunos com o auxílio do professor. O objetivo desta separação entre as retas por uma distância de 5 metros entre elas é levar cada grupo a estabelecer uma possibilidade de se fazer uma medição sem os instrumentos adequados como metro, fita-métrica ou trena. Então, cada grupo conta, em passos, esta distância. No fazer dessas duas retas paralelas, o aluno/a é levado a conhecer a unidade de medida como padrão de comprimento. As retas não precisam ter uma medida padrão, mas ao desenvolve-la o professor deve atentar para dois pontos AB distintos, levando os alunos a compreenderem que entre esses dois pontos só é possível uma reta. Aqui é possível, também, ensinar que este espaço é uma fração de um todo que se deseja conhecer. Ou seja, se para fazer 5 metros o aluno deu 7 passos, esse espaço é uma fração de um espaço a ser estabelecido pelo professor e que deverá ser medido numa proporção equivalente. Assim, se a meta é alcançar 30 metros, por exemplo, o aluno será levado a utilizar-se do estudo das funções. Para 5 metros, 7 passos; para 30 metros, x passos.


Quando os grupos concluírem suas medições e estabelecerem seus parâmetros de medida, serão levados a uma disputa para saber quais dos grupos, partindo de um ponto A, estabeleça um ponto B, a uma distância de 30 metros (ou outra medida). Então os alunos devem ter claro que se tem conhecido o ponto A e se deseja conhecer o ponto B e que este ponto deve ser estabelecido por eles. Logo, partindo do ponto A, e com base no que já foi apreendido na iniciação da competição com as retas paralelas, cada grupo, ao seu modo, é que vai dizer onde é o ponto B. Deve ser levado em consideração que cada grupo parte do ponto A para uma direção distinta, evitando aproveitar-se da conclusão de outro grupo. Com um instrumento de medição o professor, sob a observação dos grupos, vai fazer a medição para saber o grau de acerto de cada grupo. O grupo que acertar a medida exata fica com 2 pontos. Em não havendo um acerto exato, o grupo que mais próximo ficou do objetivo, que é o de alcançar os 30 metros, ganha 1 ponto.

A competição termina quando todos os grupos apresentarem seus resultados. O vencedor (ou vencedores) leva a pontuação pré-estabelecida para o seu histórico disciplinar. É importante deixar a competição em aberto para oportunizar que os outros grupos tenham condições de conquistarem seus pontos. Ao final, e sem deixar esse propósito vazar para os alunos, o professor pode avaliar qual foi o resultado desta atividade para cada aluno aplicando exercícios práticos em sala de aula, permitindo a todos levarem pontos independentes dos resultados obtidos na competição.

CONCLUSÃO

A atividade proposta não tem uma eficácia comprovada cientificamente. Contudo, ela foi levada ao conhecimento de outros acadêmicos e, também, de alguns professores do ensino básico que se comprometeram a pratica-la com seus alunos por considera-la exeqüível e atraente e com sentido sólido para o processo ensino-aprendizagem da matemática na 5a. série do ensino fundamental.

Naturalmente não se trata de uma proposta acabada e verticalizada. Ao contrário, ela se propõe a uma horizontalização inconclusa para um aperfeiçoamento a partir das experimentações práticas no sistema educacional. Por fim, espera-se alcançar a finalidade de produzir conhecimento do ensino da matemática relacionando com a vida prática dos alunos e alunas minimizando a rejeição que a matéria produz nas séries iniciais e que são cultivadas por muito tempo ao longo da vida, senão por toda ela.

Espera-se, também, contribuir para a superação dos preconceitos, para cultivar o respeito às diferenças e para promover a solidariedade entre as pessoas, esperando um mundo mais justo, igual e fraterno entre todos e todas.


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Referência Bibliográfica

D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Educação Matemática: da teoria à prática. 12ª ed. Campinas/SP.Papirus, 1996. – (Coleção Perspectivas em Educação Matemática).

sexta-feira, 21 de março de 2008

MATEMÁTICA DA VIDA NA ESCOLA
Por Rildo Ferreira dos Santos

-revisado-
Este artigo se propõe a dialogar sobre o ensino da matemática aplicado na escola e as mais variadas formas do uso da matemática no cotidiano das pessoas Pretende, também, questionar o propósito conservador do ensino da disciplina que se mantém distante da concreticidade na vida dos educandos, tornando-se uma matéria precocemente rejeitada de tal modo que, ao fim e ao cabo, pouca contribuição oferece para a resolução dos problemas emergentes na sociedade capitalista moderna.

A partir do momento em que a nova tecnologia estabeleceu novos padrões de vida e de consumo a matemática passou a ser um instrumento constante na vida das pessoas que a usa de maneira inconsciente, mas com muita eficiência. Assim é possível ver um feirante que não foi sequer alfabetizado a negociar seus produtos com os fregueses. Ora, se o feirante erra em benefício do freguês tem um prejuízo financeiro; se o erro é em próprio benefício, perde o freguês (Carraher e outros, 1995. Pg. 46), logo, é preciso um acerto no trato do negócio feirante/consumidor. O feirante sabe estabelecer o preço do produto que vende para ter lucro. Sabe, também, receber pelo produto e dar o troco corretamente, sem prejuízo de si mesmo ou do cliente.

Esta matemática aplicada na vida do feirante é igualmente exercida por seus filhos que os substituem no negócio a partir da meninice ainda. A forma que adotam para a resolubilidade de seus problemas é diferente da forma do ensino da matemática nas escolas. Um exemplo clássico é o do feirante que vende mandioca (ou aipim) a R$ 1,80 (um real e oitenta centavos) por quilo. Quando um cliente deseja quatro quilos da mandioca, ele calcula o valor total utilizando um agrupamento natural, ou seja, ele soma 2 quilos primeiro: R$ 1,80 + R$ 1,80, são R$ R$ 3,60. R$ 3,60 + R$ 3,60 são, 3 + 3 são 6, 0,60 + 0,60 é 1,20; 6 + 1,20 são R$ 7,20 (Idem, 1995). Eis que o resultado do cálculo está certo, entretanto, o feirante utilizou um método diferente daquele que se aprende na escola. Pode-se afirmar que o método utilizado pelo feirante está errado? A escola deve abolir o sistema tradicional para adotar o modelo do feirante?

A resposta para as questões acima é a mesma. Não. O feirante está correto, pois o resultado foi exatamente aquele que teria sido obtido se utilizado os esquemas tradicionais adotados no ensino da matemática e resolveu de modo justo um problema emergido quando o cliente resolveu levar quatro quilos de mandioca de uma só vez. A escola não deve abolir o método tradicional de ensino, mas não pode ignorar todo esse saber que a própria vida proporciona aos alunos. Um fato verídico pode ilustrar o entendimento desse diálogo. Numa aula de matemática o professor tentava fazer os alunos entender o que era uma PA (Progressão Aritmética). Depois de algum tempo explicando o professor perguntou se a turma tinha entendido o assunto. Um aluno disse o seguinte (não exatamente assim, mas o sentido era este): “professor, disso aí eu não entendi nada, mas se eu comprar pão com R$ 10 na padaria, sei exatamente quanto o caixa tem que me devolver de troco (www.pedagogosdofuturo.blogspot.com)” ¹.

Ora, o ensino da Progressão Aritmética é importante, mas o aluno não viu concreticidade no aprender PA. Essa é uma questão fundamental e que as escolas, sobretudo os educadores professores de matemática, precisam estar atentos. Para o aluno, aquilo que lhe é ensinado precisa ter uma relação com sua vida concreta. Somente aquilo que faz sentido para quem é ensinado será verdadeiramente apreendido a ponto de não se perder ao longo das idades. Esse diálogo nos remete ao pensamento de Paulo Freire sobre o respeito aos saberes do educando. Ele afirma que “Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela saberes socialmente construídos na prática comunitária... (Freire, 1996. Pg 30)”.

Cendales e Mariño (2006) tratando do processo de aprendizagem na pedagogia dialógica dizem que se os educadores querem que a aprendizagem seja viável devem levar em conta a proximidade dos seus objetivos e o educando, ou “De outro modo, estaremos estabelecendo metas inalcançáveis, que certamente o educando até memorizará, mas depois esquecerá para sempre”.

Na pesquisa desenvolvida por Carraher e outros (1995), em que trata da Matemática Escrita versus Matemática Oral, eles concluem apontando para o reconhecimento e a valorização da matemática oral, como a aplicada pelo feirante, como um processo de aprendizagem que não deve ser desprezado pela escola. Embora o parágrafo seja um pouco extenso, sua reprodução na íntegra reforça o eixo fundamental desse diálogo proposto. As pesquisadoras e o pesquisador afirmam que

  • Embora não se pretenda sugerir a substituição da matemática escrita pela matemática oral dentro da escola, uma vez que a matemática escrita apresenta inúmeras vantagens do ponto de vista do desenvolvimento do aluno a longo prazo, é importante que os professores reconheçam, entendam e valorizem a matemática oral, especialmente aqueles que lidam com alunos que têm oportunidade de trabalhar no setor informal da economia. Esta atividade matemática tem sólidas bases na compreensão do número e do sistema decimal, habilidades que devem ser utilizadas, e não desprezadas, pela escola (Carraher e outros, 1995. Pg. 65).


Para concluir, compreendendo que este diálogo ainda está inconcluso e que há muito que se debruçar sobre a questão para uma compreensão mais abrangente que torne o ensino da matemática mais agradável para quem é ensinado, é preciso apontar o ensino da matemática para uma visão além dos números, das fórmulas e dos cálculos. Morais, debatendo Infância, Cinema e Sociedade (1997) aborda a questão do consumo que permite classificar as pessoas a partir daquilo que elas consomem. Nesta sociedade em que se prioriza o consumo além das necessidades, onde os produtos são vistos por suas marcas em detrimento da qualidade, a matemática pode oferecer uma contribuição para a compreensão da realidade. Quantas pessoas se endividam comprando supérfluos atraídos pela facilidade de crédito de longo prazo? Nesta armadilha do marketing comercial acabam pagando dois produtos e ficando com apenas um. Quando acabam de pagar pelo produto adquirido, em alguns casos, ele já não existe mais.

Ora, compreender esta realidade e adequar os conceitos clássicos do ensino da matemática para um entendimento real dos problemas na vida das pessoas, pode ser significativo para diminuir o impacto do fracasso escolar, sobretudo diminuir a rejeição pela matéria, tornando o processo de ensino-aprendizagem da matemática dinâmico e concreto tanto para quem ensina quanto para quem é ensinado. Para D’Ambrósio (1996),

  • A educação para a cidadania, que é um dos grandes objetivos da educação de hoje, exige uma ‘apreciação’ do conhecimento moderno, impregnado de ciência e de tecnologia. Assim, o papel do professor de matemática é particularmente importante para ajudar o aluno nessa apreciação, assim como destacar alguns dos importantes princípios éticos a ela associados (grifo meu).

Então, adotar uma nova práxis educacional, esboçando um novo paradigma que substitua o ensino-aprendizagem que se baseia numa relação obsoleta, desestimulante, propondo uma relação educacional que se fundamenta no desenvolvimento criativo, que preserva a diversidade nessa relação planetária onde o respeito, a solidariedade e a cooperação sejam bases fundamentais para alicerçar o comportamento do professor/a com vistas a superação das dificuldades e da melhoria das condições de vida para todos.

(¹): Experiência vivida por Rildo Ferreira no CIEP 407 – Gilson Amado em Engenheiro Pedreira, distrito de Japeri no Rio de Janeiro, por ocasião de um trabalho de campo para o curso de Pedagogia.




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Referências Bibliográficas

MORAIS, Maria Cecília. Comentários: A criança e a Cidade in GARCIA, C. A. (Org.);
CASTRO, Lucia Rabello de (Org.); SOUZA, S. J. E. (Org.). Infância, cinema e
sociedade. 1. ed. Rio de Janeiro: Ravil/Coleção escola de professores, 1997.

D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Educação Matemática: da teoria à prática. 12ª ed. Campinas/SP.
Papirus, 1996. – (Coleção Perspectivas em Educação Matemática).

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. [Saberes Necessários à Prática Educativa].
35a. ed. São Paulo. Paz e Terra, 1996 (coleção leitura).

CARRAHER, Terezinha Nunes. CARRAHER, David Willian. SCHLIEMANN, Analúcia
Dias. Na vida dez, na escola zero. 10a. ed. São Paulo. Cortez. 1995.

CENDALES, Lola. MARIÑO, Germán. Educação não-formal e educação popular. Para uma pedagogia do diálogo cultural [Educación no formal y educación popular]. São Paulo. Loyola, 2006. Tradução Thiago Gambi

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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Crise da razão?

Por Rildo Ferreira



Em 19/02/08, Paulo Ghiraldelli escreveu: "...qual a razão de ainda termos intelectuais e políticos, em nosso país, e até mesmo no governo, que falam de Cuba como se estivessem falando do Paraíso? Simples desinformação? Miopia ideológica misturada a algum tipo de esquizofrenia? Ou apenas oportunismo, para manter bases eleitorais que ainda possam existir em grupos estudantis?"

Lendo esta análise do filósofo de São Paulo, fiquei pensando em qual das alternativas acima o arquiteto Oscar Niemeyer se enquadra. Será que depois de todo o esforço dispensado para fazer deste país um lugar mais justo, mais humano o cara ficou desinformado? Será que o seu centenário de vida o deixou míope e esquizofrênico? Será um oportunismo para ainda explorar eleitoralmente grupos estudantis? Estou em dúvidas.

Pensava que o nosso ícone da arquitetura, reconhecido mundialmente por seu imenso trabalho artístico e filosófico em sua área de conhecimento considerava CUBA por ser uma ilha que não se rendeu ao capitalismo que esgarça as diferenças, corrompe famílias e vidas, manipulam idéias e destroem sonhos para promover uma política onde não há meninos mendigando nas ruas, onde a educação é gratuita e universal, levando o jovem das séries inicias à universidade, garantindo a todos um sistema de saúde reconhecido mundialmente e resistindo bravamente contra as investidas norte-americanas.

Eu pensava que um intelectual do nível de Niemeyer não defendia um sistema ditatorial (Não só em Cuba como em qualquer país do mundo) para estar do lado de um sistema onde as pessoas são humanas e não números, apesar de todo o trabalho que o capitalismo fez para corromper os cubanos, limitando o direito de Cuba interagir com o resto do mundo. Com as palavras do filósofo de São Paulo, minhas interrogações aumentaram e minha curiosidade também. O que leva intelectuais e políticos, em nosso país, falar de Cuba como se fosse um lugar tranqüilo para se viver?

Um outro filósofo a quem conheço apenas pelo nome de Gustavo respondendo à esse artigo disse "Além disso, Niemeyer não é um "grande intelectual"". Ora, eis que agora estou em dúvidas sobre o que vem a ser intelectual. Seriam filósofos?

IMAGEM (EDITADA): http://www.suapesquisa.com/biografias/fidel_castro.htm ___________________________________________
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domingo, 17 de fevereiro de 2008

"PAI, O MOÇO PRENDEU OS

SEUS PASSARINHOS"
Por Rildo Ferreira

O que passo a narrar agora aconteceu no dia em que chamei a atenção da minha pequena Eduarda sobre ficar com o gato no colo. Foi um caso que se tornou cômico ao mesmo tempo em que o empirismo dava prova cabal de que as crianças têm muito para nos ensinar, e nós adultos, muito para aprender com as crianças. Para isso precisamos nos despir da vaidade de achar que a vida já nos ensinou tudo o que nos basta para viver ético e dignamente.

Quando eu me levantei já encontrei acordada a minha filha Eduarda (foto, aos 2 anos). Na sala, com o dedinho polegar direito na boca e o Ervê no braço esquerdo junto ao corpo, Ervê é o gato siamês marron claro e de olhos azuis que minha pequena adora, depois de lhe desferir um
beijo e dizer bom dia flõr do dia!, e ela me responde: bom dia, paizinho, digo à ela que não deve ficar com o Ervê no braço argumentando que o gato solta pêlos e ela poderia levá-los à boca e lhe causar algum mal. Entramos num diálogo que não me sai da cabeça. Disse-me ela:

- Pai, porque você não gosta do Ervê.
- Minha filha, eu gosto, mas não se pode ficar com gato no braço.
- Mas você já disse que gato não deve ficar dentro de casa.
- Disse. Todos os animais são por natureza selvagens. Logo eles precisam viver no seu ambiente natural. Não gosto de animais dentro de casa.
- Então você não gosta do Ervê.
- Gosto do Ervê e de todos os animais. Só não é necessário tê-los dentro de casa.
- Mas você não gostaria de ter um bichinho, nem um gatinho, nem um passarinho...
- Mas eu já tenho. Sou dono de todos os animais.
- Mas você não disse que não gosta de animais?
- Eu gosto. Gosto tanto que todos os meus animais estão soltos e vivem livremente.

Da janela da sala era possível ver um casal de araras azuis que gralhava ao passar sobre nossa humilde casa. Eduarda prolonga o assunto.

- Então aqueles passarinhos são seus?
- São meus. Não é melhor vê-los voar assim livremente?

O assunto ficou esquecido na medida em que eu a levava para escovar os dentes e lhe escovava os cabelos –coisa que ela detesta. Pois bem. Em frente a minha casa um vizinho possui uma loja onde vende rações e alguns peixes ornamentais. Passados alguns dias dessa nossa inocente conversa sobre o domínio sobre os animais, este meu vizinho trouxe para a sua loja um viveiro com alguns periquitos. Eu assistia a um programa reprisado de um debate com o filósofo Mário Sérgio Cortella na TV da Assembléia Legislativa de Santa Catarina quando ela veio ao meu quarto e desferiu-me esta pérola o que me trouxe a escrever este artigo:

- Pai, o moço daquela loja ali prendeu os seus passarinhos.

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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008




SOMOS RACISTAS ?
Por Rildo Ferreira


Preciso fazer uma comparação, o que para muitos pode parecer um esdrúxulo, mas que, no meu modo de ver, tem uma essência muito similar. Trata-se de reconhecer que todos fomos educados para sermos racistas, assim como um indivíduo doente de alcoolismo precisa reconhecer sua moléstia. E estou secamente dizendo que somos todos afetados por esta moléstia que conhecemos como racismo.

Ora, Von Martius Varnhagen, conhecido como heródoto do Brasil, com uma visão estreitamente lusitana escreve-nos: "Sem amor à pátria, essa gentes vagabundas... constituíam no entanto uma só raça, falavam dialetos de uma só língua. (Quanto aos negros) Para ele, os traficantes negreiros fizeram um grande mal ao Brasil entulhando as suas cidades do litoral e engenhos de negrarias" (Reis. 2001).

Com efeito, sob esta bandeira racista começou-se a escrever a História do Brasil. Logo, nossa educação foi uma educação racista. Os negros e nativos, por sua vez, buscavam suas defesas alimentando um racismo contra os brancos.
Eis que a comparação que faço é esta: o racismo está para todos assim como o alcolismo está para o alcoólatra. Se no alcolismo faz-se necessário reconhecer-se como um doente que precisa de ajuda e, portanto, o faz todos os dias em confissão de ser um alcoólatra para redimir-se da moléstia, nós, racistas que somos, precisamos nos reconhecer doentes de racismo confessando-nos todos os dias para evitar o primeiro ato de racismo. Nossa profissão de fé deveria ser: "Sou racista. Fui educado para ser racista. Ao reconhecer minha condição de racista, penitencio-me todos os dias com a lembrança de que sou racista para evitar um ato de racismo e assim não me permitir manifestações que ofendam, aviltam e desqualificam os que são diferentes de mim”.


REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagem a FHC. 4ª ed. – Rio de Janeiro: FGV. 2001

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008


Exercitar o cérebro

sem abolir o vídeo game

Por Rildo Ferreira

Senhoras e senhores. Vejam vocês como a língua portuguesa precisa ser explicada quando escrita. Sobre o assunto Infâncias de ontem e de hoje: diferenças determinantes, não houve a intenção de questionar os avanços tecnológicos; não era a intenção discutir a influência mercantilista em nossas vidas e menos ainda chorar porque não controlo minha filha. E não controlo mesmo! Ela não nasceu para ser controlada, mas para ser educada e viver livremente.

Então qual era a intenção de rever minha infância e compara-la à infância de hoje?

Ora, eu procurei mostrar que as minhas dificuldades me levaram a exercitar o cérebro, criar meus próprios brinquedos, inventar algumas histórias. Ouvíamos os "velhos" com atenção. Suas narrativas aguçavam nossas imaginações. Quantas vezes ouvimos histórias de alguém que caminhava numa estrada escura quando voltava de um determinado evento, e ao caminhar ouvia barulhos repetitivos como se alguém o seguisse. Não conseguindo ver quem o seguia, apressava o passo e quanto mais veloz seguia, mais veloz os sons se repetiam. Somente ao chegar em casa sentia-se aliviado. Vez por outra alguém dizia que era o barulho da própria calça que resvalava uma perna na outra. Isso aos nossos ouvidos era fantástico. Reproduzíamos essas histórias com mais requinte de sinistros.

Bem, alguém (me perdoe por não lembar o nome agora) disse em uma resposta que os vídeos games são também educativos. Há controvérsias. Estou ainda muito cético quanto ao caráter pedagógico dos games. E por que eu digo isto? Assim como Piaget eu também adoto meus filhos como "objetos" de constante estudo. Minha filha utiliza um site chinês com "jogos educativos". Analisando o comportamento dela cheguei a conclusão de que ela apenas repete aquilo que o game pede que ela faça, ou seja, quando aparece um lápis, ela clica numa palavra, digamos, "chair". E o game diz que ela errou e precisa tentar novamente. Depois ela clica em "cup" e o game diz que ela errou e precisa tentar novamente. Esse processo se repete até que ela clica na palavra "pencil" e o game manifesa aplausos e gritos de "Ok! You Win". Ora bolas, "Para explicar por que um macaco aprendia a resolver um jogo de encaixes, os psicólogos usavam expressões confusas - será que o macaco 'pensava' ou procedia por 'ensaio e erro' para achar a solução? - ao passo que o óbvio seria conceituar que o animal simplesmente repete comportamentos que são bem-sucedidos, aqueles que têm como consequência a aquisição de uma banana, por exemplo (Cunha, 2001*)".

Com efeito, o que nos lembra a gaiola de Burhus F. Skiner com seus ratos e o Condicionamento Operante? Esse condicionamento não está presente nos games? Quando a criança não alcança o objetivo (que é o de receber os aplausos e os gritinhos de "você venceu!") ela volta a fase anterior e repete o procedimento com uma alternativa diferente. Agora, convenhamos, isso é educação ou adestramento? Normalmente os games adestram. Os jogadores repetem seus movimentos até que ele alcance o seu objetivo. Uma vez conquistado ele busca um nível mais elevado. Entretanto, ao concluir uma fase, há que ser questionado qual foi o aprendizado adiquirido. Não sou contra os videos games. Não sou contra a tecnologia. Concordo com todos que pensam que esses novos instrumentos precisam estar presente na vida das crianças e em sala de aula, inclusive, estando, assim, de acordo com o que disse Eiterer "Não creio que devemos dispensar essas tecnologias. Usar essas tecnologias se tornou um imperativo porque elas facilitam demais ações que antes demandavam muito tempo e muita gente". Mas ainda preciso ser convencido de que há jogos que educam de fato e não adestram, como penso.

Vejam que se penso desta forma não pretendo tirar os vídeos games das crianças. Meus filhos usam o computador para entretenimento com jogos diversos. Mas eu não abro mão de ler algumas histórias para fazê-los dormir. Não abro mão de reiventar minha infância fazendo os brinquedos que eu fazia como carrinhos, casinhas, cata-ventos etc. Estou tentando fazer com que exercitem a capacidade de pensar, de inovar, de inventar, de criar suas próprias histórias. Minhas filhas de 13 anos (uma biológica outra adotiva) eu as estimulo a escrever suas opiniões quanto ao dia em que viveram narrando o que foi bom e o que foi ruim. Cada vez que elas buscam seus cadernos para registrar um fato é um exercício mental, reflexivo. Eis a questão eloqüente. Reflexão.

Minha filha de 5 anos, vendo o comercial da Globo News onde aparece personagens entre aspas, me questionou sobre o que vem a ser opinião. Logo hoje, ao fazer um pequeno reparo em frente a garagem ela me questionou o porquê eu fazia aquilo. Ao responder que era para que o carro da mamãe não atolasse ela me disse: "Eu não sei o que é atolar". Pois bem. Esses dois exemplos já mostram que mesmo usando os games para entretenimento, a minha participação é fundamental para que ela não seja adestrada, mas seja capaz de questionar, de procurar entender as coisas. Essa é a minha preocupação com as crianças que são "deixadas" nos vídeos games para "não dar trabalho", não atrapalhar o papai com a cerveja nem a mamãe com a novela.

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(*) CUNHA, Marcos Vinicius da. Psicologia da Educação. Rio de Janeiro. DP&A, 2002.
Desenho: Eduarda Moreira, se retratando.