quarta-feira, 11 de junho de 2008

Etnomatemática: Matemática Inclusiva?
por Rildo Ferreira

INTRODUÇÃO

Este texto se propõe a dialogar sobre Etnomatemática para compreender seu conceito filosófico e, também, compreender onde se aplica o ensinamento dela. Quando Ubiratan D’Ambrósio sugeriu a termologia para justificar que existem muitas maneiras de aprender, ensinar e entender Matemática, buscou codificar um conjunto de medidas que tornam o ensino mais próximo da realidade de quem aprende Matemática.

Ora, num estudo organizado por Schwartzman (2005) ele mostrou que muitos passam pela escola sem nada aprender e parte significativa dos que se matriculam no ensino básico não levam o estudo ao fim. A evasão e a repetência são produtos da má qualidade da educação cujas raízes são identificadas na formação do educador. Com efeito, aquele que ensina tende a fazê-lo seguindo o modelo de como aprendeu. Dessa forma, reproduz um ensinamento que parte de um conceito eurocêntrico onde equivale a sentença ciência e ocidente é a única verdade aceitável.

Partindo desse princípio, a matemática tem sido utilizada para a promoção do apartheid social onde poucos privilegiados dominam este saber para dominar a grande maioria que se mantém distante da escola por não ver sentido naquilo que é ensinado. Na proposta de D’Ambrósio a Etnomatemática busca a superação desta barreira emblemática para uma educação inclusiva, onde os saberes já constituídos na prática comunitária (de vida) façam parte do processo de aprender-aprender a aprender matemática. Esta é a proposta: dialogar sobre a Etnomatemática como Matemática Inclusiva, que agrega outros saberes aos saberes planetariamente aceitos.

Fundamentação Teórica

Para começar a fundamentar nosso diálogo, vamos analisar uma matéria publicada no Globo on-line em 13/03/2008 por Leonardo Guandeline cujo título indicava que 71% dos alunos matriculados na rede estadual de ensino em São Paulo terminam o segundo grau sem saber matemática. Dizia a matéria:

  • ... Os números constam do Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) 2007, divulgado nesta quinta-feira pela Secretaria Estadual de Educação. De acordo com a avaliação, apenas 3,7% dos alunos do 3º e último ano do Ensino Médio tiveram desempenho considerado adequado. A maioria absoluta, 71%, tem nível abaixo do básico. Outros 24,7% têm nível de aprendizado considerado básico e apenas 0,6% avançado (O Globo on-line)

Ora, o pesquisador Simon Schwartzman (2005) organiza um estudo sobre Os Desafios da Educação no Brasil e argumenta que maioria dos alunos passa pela escola sem nada aprender e que o não aprender é fator determinante da repetência e da evasão escolar. Libâneo (1985) questiona o ensino tradicional e propõe a Pedagogia Crítica dos Conteúdos lembrando que o processo educativo tem raízes nas contradições, nas lutas sociais, e que a prática educativa é ação e resultado do processo de formação dos sujeitos para que se tornem adultos, no qual adquirem capacidades e qualidades humanas que lhes permitam superar as contradições num determinado contexto social. Acontece, porém, que o ensino tradicional é verticalizado e reprodutor de uma cultura eurocêntrica com vistas a manter as desigualdades na sociedade. Neste paradigma o sujeito só supera as condições de inferioridade quando consegue aniquilar sua cultura e internalizar a cultura que lhe é imposta verticalmente.

Sobre este paradigma perverso de aniquilação das culturas pela falsa educação, que só admite uma matemática rigorosa e precisa, que identifica racionalidade com o domínio da matemática, D’Ambrósio (2005) argumenta que

  • ...Na educação, a realidade é substituída por uma situação falsa, idealizada e desenhada para satisfazer os objetivos do dominador. A experiência educacional falseia situações com objetivo de subordinar... O aluno tem suas raízes culturais, que é parte de sua identidade, eliminadas no decorrer de uma experiência educacional conduzida com o objetivo de subordinação. Essa eliminação produz o socialmente excluído... (p. 75)

A mesma matéria anteriormente citada ainda traz outro dado importante que afeta alunos do ensino fundamental. Diz a matéria que “o desempenho dos estudantes em matemática piora a partir da 4ª série (44,3% deles abaixo do básico). O número chega a 54% na 6ª e 50% na 8ª série”. Alguns estudos mostraram que o cerne da questão está na forma de como o ensino da matemática é levado aos alunos. Cendales e Mariño (2006) tratando do processo de aprendizagem na Pedagogia dialógica dizem que se os educadores querem que a aprendizagem seja viável devem levar em conta a proximidade dos seus objetivos e o educando, ou “De outro modo, estaremos estabelecendo metas inalcançáveis, que certamente o educando até memorizará, mas depois esquecerá para sempre” (p.55).

Ora, os dados que vimos anteriormente são de 2007. Não é de um tempo distante. Muito embora eles se refiram ao desempenho dos alunos de somente um Estado da Federação, é bem provável que a realidade nacional não seja muito diferente disto. É verdade que será preciso um estudo bastante aprofundado para se saber quais são os motivos desses índices bastante preocupantes. Em se tratando da Matemática, os dados mostram que dois terços estão sendo considerados abaixo do nível básico de aprendizagem. Esta matéria jornalística me levou a conversar com 22 alunos do Instituto Evangélico de Austin¹ sobre o ensino da Disciplina. Apenas uma aluna disse ter bom desempenho na matéria, muito embora, assim como os outros alunos, todos disseram detestar Matemática.

Um pouco mais de conversa e consegui extrair deles que o que estavam estudando não tinha utilidade prática e que não viam no que estudavam uma necessidade para o que desejavam no futuro. Os alunos da 7a. e da 8a. séries do Instituto Evangélico de Austin, Escola do Ensino Fundamental, localizada na Rua Bela Vista, sem número, em Austin, distrito da Cidade de Nova Iguaçu, apresentaram a prova de Matemática e a média geral da turma acompanhou (em tese) os resultados das Escolas Públicas de São Paulo (ver gráfico). Dos 22 alunos na nossa entrevista, apenas quatro conseguiram nota igual ou superior a 7. Seis tiveram notas entre 5 e 7 pontos, e os demais, notas inferiores a 5 pontos. Prova² aplicada pouco mais de um mês depois da publicação da matéria no Globo on-line.




Gráfico: percentuais segundo total de pontos obtidos na prova de Matemática por aluno pesquisado.

Naturalmente que esta entrevista realizada com estes alunos não é suficiente para consolidar uma teoria. Seria preciso muito mais que um encontro, vinte e duas provas com notas variadas, sendo a melhor delas 7,5 (sete e meio) e a pior delas, 1,5 (um e meio), uma delas constante como conteúdo de estudo, para se estabelecer uma vertente contribuinte para o baixo nível de desempenho dos alunos no aprendizado do ensino da Matemática. Contudo, muitos outros estudos têm apontado um ensino distante da realidade dos alunos e muitos teóricos renomados trazem à luz de uma pedagogia crítica dos conteúdos, como propõe Libâneo (1985); D’Ambrósio (1996) Cendales y Mariño (2006), Gadotti e Romão (2007), entre outros, a necessidade de primeiro conhecer o saber dos alunos para adequar o ensino às necessidades segundo a realidade de todos e de cada um em particular.

Este modelo tradicional do ensino da matemática tem uma razão de ser. Esta razão é apontada por D’Ambrósio (1996) pode ser entendida como uma forma de manutenção das desigualdades que teve início com os conquistadores, mantendo os conquistados num nível de inferioridade e que

  • Claro que ao falar em conquista estamos admitindo um conquistador e um conquistado. O conquistador não pode deixar o conquistado se manifestar. A estratégia fundamental no processo de conquista, de um indivíduo, grupo ou cultura [dominador] é manter o outro indivíduo, grupo ou cultura [dominado] inferiorizado. Uma forma, muito eficaz, de manter um indivíduo, grupo ou cultura inferiorizado é enfraquecer as raízes que dão força à cultura, removendo os vínculos históricos e a historicidade do dominado. Essa é a estratégia mais eficiente para efetivar a conquista (D’Ambrósio, 2000. disponível na internet)

Os pesquisadores colombianos Cendales e Mariño (2006) também argumentam sobre o papel da educação como parte de uma engrenagem social. Para eles só existirão mudanças qualitativas na sociedade quando houver mudanças igualmente qualitativas na educação, mas que não existe mudança na educação sem mudanças na sociedade e, se há diferença na sociedade, a educação também se apresenta com diferentes objetivos, diferentes interesses (p. 13). Neste caso, o educador é parte importantíssima nesta relação de forças, haja vista que

  • Se nós, educadores, admitimos que temos um poder (próprio ou delegado), o poder que dá o saber, o poder que dá a palavra, o poder que dá o direito de ser escutado, é para colocá-lo em função do fortalecimento dessas capacidades, do empoderamento e da inclusão dos setores com os quais trabalhamos (Cendales e Mariño, 2006. p. 63).

Então tem uma questão ideológica por trás disso tudo. E a questão ideológica, política é: qual é o projeto de educação que de fato está acontecendo? Quais são os projetos que estão acontecendo? Nós estamos fazendo educação para o povo ou não? E educar o povo significa aniquilar suas culturas impondo uma cultura eurocêntrica? A gente precisa responder a isso: quais são os projetos de sociedade que os sistemas educacionais no Brasil têm respondido (dos quais os educadores são verdadeiros embaixadores) e procurado fazer? Daí que surge o questionamento: seria a etnomatemática uma matemática inclusiva?

Uma nova proposta de ensino

A humanidade tem como prioridade alcançar a paz. Este novo capítulo do nosso diálogo precisa ser iniciado com um trecho da transcrição da palestra de D’Ambrósio realizada na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo em 2000. Disse ele:

  • Examinando a insegurança total e o deplorável estado atual da humanidade, testemunhamos, pela nossa própria experiência ou pelo que observamos na mídia, violações freqüentes da paz, em todas as suas dimensões [militar, ambiental, social, interior], todas possíveis somente pela utilização, perversa, de instrumentos tecnológicos e científicos que puderam ser desenvolvidas graças à existência do instrumental matemático. É inegável que, como matemáticos e educadores matemáticos, não podemos ser responsabilizados pelo mau uso que se faz desse instrumental. Mas, sim, temos responsabilidade na formação integral dos nossos alunos. É natural, portanto, nos perguntarmos “onde foi que erramos?”, “por que persistimos no erro?”. Somos levados a concluir que fomos capazes de transmitir bons conhecimentos, mas fomos incapazes de transmitir valores e uma ética maior (D’Ambrósio, 2000. Disponível na internet).

Vejam que, segundo ele, a Matemática deveria ter sido um instrumento que pudesse promover o desenvolvimento da humanidade de forma solidária e integral, sem exclusão, sem perversidade que pudesse aviltar a própria humanidade. Ele também aponta onde foi que erramos. Erramos quando transmitimos conhecimentos e esquecemos de transmitir valores e uma ética maior. Ora, um aluno de 11, 12 anos de idade, estudando a 7ª. ou 8ª. série, que vive num sistema extremamente competitivo, onde o consumo permite classificar as pessoas a partir daquilo que elas consomem; numa sociedade em que se prioriza o consumo além das necessidades, cujo produtos são vistos por suas marcas em detrimento da qualidade, a matemática pode oferecer uma contribuição para a compreensão desta realidade. Quantas pessoas se endividam comprando supérfluos atraídos pela facilidade de crédito de longo prazo? Nesta armadilha do marketing comercial acabam pagando dois produtos e ficando com apenas um e os educadores insistem nos conteúdos que nenhuma relação tem com a prática diária deles. Vejam este fragmento de uma prova de matemática de uma aluna da 8ª. série (8º. ano) do ensino fundamental do Instituto Evangélico de Austin3:

Para a aluna que fez esta prova4, este assunto nada tem a ver com o seu fazer do dia-a-dia e segundo ela, nunca vai utilizar isso na sua vida. Logo, não sabe por que estuda geometria. Daí que concluímos que este assunto geometria é tão importante para todos nós quanto saber o resultado da soma 2 + 2; mas o modo como está sendo conduzido o ensino da matéria é que provoca esta sensação de inutilidade. Ora, a perspectiva tradicional começou lá no século XIX com Herbart, que dizia que a escola tem um papel fundamental: ela precisa libertar as pessoas da ignorância, do não saber. Porque? Porque a ignorância promove a desigualdade e promove a marginalidade. Funciona até como papel de auto-exclusão. Então o papel da escola é livrar as pessoas da ignorância dando para elas a luz do conhecimento, a luz do saber (Saviani, 1999).

Mas Schwartzman (2005) diz que as pessoas até tem acesso à escola, mas pouco (ou nada) aprendem. E por qual razão não aprendem? Não aprendem porque não vêem concreticidade naquilo que está sendo ensinado. Não aprendem porque o natural instinto de preservação cultural lhes são inerentes e relutam contra um eurocentrismo presente no paradigma educacional. Porque não querem abrir mão daquilo que lhes garantem a sobrevivência nesta sociedade excludente que é o saber constituído na prática comunitária, como dizem Cendales e Mariño (2006):

  • A primeira dimensão se refere ao saber cotidiano e ao saber elaborado. O primeiro é um saber empírico ligado à solução de problemas, saber compartilhado que transcende o indivíduo e é assumido como certeza básica. O segundo está relacionado a princípios de pensamento mais abstratos, com maior grau de sistematização. Nesse campo se enquadra a sabedoria popular (p. 31).
Este saber primário ligado à solução de problemas foi que orientou a pesquisa de Carraher e outros (1995) tratando da Matemática Escrita versus Matemática Oral, eles concluem apontando para o reconhecimento e a valorização da Matemática oral largamente utilizada por vendedores autônomos que nunca ou forma parcamente alfabetizados. Eles salientam que é importante que “professores reconheçam, entendam e valorizem a matemática oral, especialmente aqueles que lidam com alunos que têm oportunidade de trabalhar no setor informal da economia” (p. 65).

Sobre este assunto posso relatar uma experiência muito pessoal. Meu pai, Lair Ferreira dos Santos, nunca foi à escola. Morreu em 1989 aos 66 anos de idade. Sua profissão era marceneiro. Isso me deixava curioso. Como pode um homem que jamais foi à escola construir móveis com medidas perfeitas para encaixe entre paredes e teto? Como podia saber onde furar a madeira para os parafusos que uniam as peças? Se lhe perguntássemos sobre ângulos de 90º ele dizia ignorar, não sabia explicar o que era. Entretanto, se lhe pedíssemos para cortar uma madeira no esquadro, lá nos vinha ele com uma madeira cortada num ângulo de 90º. É verdade que meu pai não foi à escola por outras razões diferentes das que provocam a evasão escolar nos dias de hoje e provocam a repulsa pelo ensino da matemática. Mas o que há de comum são saberes que foram constituídos na suas práticas de vida. Saberes que na escola tradicional são completamente aniquilados. E são aniquilados porquê? Porque a escola tradicional reproduz uma sociedade excludente, desigual, que atua para a manutenção do status quo de poucos privilegiados. Isso tem relação com a estrutura de poder. Ou seja, quem sabe domina e quem não sabe será dominado. Daí que Cendales e Maryño (2006) dizem que
  • ... o primeiro a existir foi o saber comunitário, o saber de todos, do qual se vai separando, um saber que se torna legítimo e verdadeiro, associado a diferentes instâncias de poder, em oposição ao saber de consenso, ao saber comunitário no qual se legitimou. A diferença, então, não é de qualidade, mas de sua relação ou não com o poder (p. 29)

Teve um francês que observa justamente como que a ação educativa contribui ao fim e ao cabo, não para criar mais oportunidades ou transformar essa sociedade, mas para mantê-la justamente como ela é. Althusser questiona (Saviani, 1999): para que (ou para quem) serve a escola? Ela serve para moldar a cabeça das pessoas para elas se comportarem direitinho como os profissionais se comportavam nas fábricas no início do Século XX. Por isso, por exemplo, é que existem as provas. Para que servem as provas? Para o aluno responder aquilo que é pedido à ele. E o que é pedido ao aluno? Aquilo que alguém disse e que o aluno tem que repetir. E ele repete. Foi treinado pra isso. Para quê? Pra cumprir as ordens, para obedecer ao dominador. As provas não são utilizadas pelo educador para verificar onde está dando certo e onde tem que reformular sua maneira de ensinar.

Essa lógica introjetada se transforma numa mentalidade fechada, mas que a sociedade aceita. Isso é ideologia! Por isso, a escola também é um aparelho ideológico de Estado que reproduz a sociedade tal qual ela é, como disse Althusser. Pra ele então, a escola é reprodutora e excludente. Bourdier e Passerón, citados por Saviani (1999) chegaram a uma conclusão semelhante à de Althusser, mas observando que a escola produz um comportamento gerador de uma violência simbólica que faz com que as pessoas aceitem não só as regras, mas aceitem as violações das suas visões de mundo que elas tem. As pessoas chegam às escolas com diferentes visões e as escolas, o aparelho educativo, simplesmente aniquila as visões e o senso comum que as pessoas têm, desrespeitam completamente os seus saberes e lhes dá ciclos absolutamente distintos dessas visões de vida. E para quê suprimem esses saberes? Pra fazer com que as pessoas possam manter o que já está aí, a desigualdade presente.

Possenti (1996. p. 18), em sua obra que discute o preconceito lingüístico corporificado no ensino da gramática normativa nas escolas, destaca a violência (ou injustiça) impor a um grupo os valores de outro, assim como Luft (2000. p. 95) diz que a classe hegemônica impõe um ensino da norma culta para manter a sociedade tal como ela se apresenta, com suas profundas desigualdades e injustiças. É a manutenção do status quo que faz milhares de homens e mulheres “vítimas de verdadeira inquisição gramatical”.

A teoria dos conteúdos críticos, que diz da necessidade de se ter um conteúdo crítico que leva as pessoas a ver uma nova forma de construir o mundo, uma nova forma de construção social, no ensino da Matemática, é apresentada por D’Ambrósio e culmina com a criação do Grupo de Estudos Internacional sobre Etnomatemática5 (ISGEm), cujo núcleo percursor se forma na Conferência Anual dos Professores de Matemática em 1985 na cidade de Adelaide, Austrália. No primeiro boletim desta nova organização para a educação e do ensino da Matemática, o artigo Etnomatemática: o que poderia ser? traz uma alusão ao doutor D’Ambrósio como criador do termo Etnomatemática. Diz o boletim: “A invenção do termo ‘Etnomatemática’ provavelmente pode ser creditado a Ubiratan D’Ambrósio. Em conferências e artigos recentes, o professor D’Ambrósio tem enfatizado as influências de fatores socioculturais no ensinamento e na aprendizagem das matemáticas”. Este mesmo artigo argumenta que Etnomatemática poderia se chamar ‘Matemáticas do meio ambiente’ ou ‘Matemáticas das comunidades’ salientando que ela se caracteriza por se apresentar de maneira particular nos grupos culturais específicos que realizam tarefas de classificação, ordenamento, contagem e medição (ISGEm, 1985. disponível na internet)

D’Ambrósio apresenta a Etnomatemática como uma expressão das minorias como possibilidade de inclusão, como pode ser observado em suas palavras extraídas de um artigo disponível na internet afirmando que

  • A etnomatemática se encaixa nessa reflexão sobre a descolonização e a verdadeira abertura de possibilidades de acesso para o subordinado, para o marginalizado e para o excluído. A estratégia mais promissora para a educação nas sociedades em transição da subordinação para a autonomia é restaurar a dignidade de seus indivíduos, reconhecendo e respeitando suas raízes. Essa é, no meu pensar, a vertente mais importante da etnomatemática (D’Ambrósio, 2000. disponível na internet)

Mas o próprio autor se antecipa para dizer que a Etnomatemática não substituirá a Matemática Acadêmica que, segundo ele, “é essencial para um indivíduo ser atuante no mundo moderno”. O que ele propõe é uma inclusão dos valores da humanidade como maneira de fortalecer as raízes da Matemática, e fazer dela (a Matemática) instrumento vivo, que está presente no aqui (espaço) e no agora (tempo). Com efeito, o processo de globalização requer um respeito profundo às diversidades, às diferenças. As relações internacionais, a mobilidade de pessoas e famílias, pressupõe uma superação dos conflitos culturais que dependem substancialmente “de uma ética que resulta do indivíduo conhecer-se e conhecer a sua cultura e respeitar a cultura do outro” (Idem).

Para esses meninos e meninas (como os que entrevistei no IEEA) está reservado o futuro. A paz futura, o respeito ao meio ambiente e ao próximo; a superação das iniqüidades, das injustiças, da arrogância e da exclusão, depende em muito do que podemos oferecer a eles. Esse pressuposto alternativo é apresentado como uma missão inovadora para as educadoras e os educadores. Daí que D’Ambrósio invoca os educadores/as matemáticos a: “...estar em sintonia com a grande missão de educador. [e perceber que] ...há muito mais na sua missão de educador do que ensinar a fazer continhas ou a resolver equações e problemas absolutamente artificiais, mesmo que, muitas vezes, com a aparência de estar se referindo a fatos reais” (Idem).

A esperança que se vê na proposta é a de diminuir a negatividade da pesquisa realizada nas escolas de São Paulo e, também, do gráfico anteriormente elaborado a partir de uma análise superficial sobre as notas das provas de Matemática dos alunos de 7ª. e 8ª. séries do IEEA. A esperança se estende à necessidade que temos de produzir uma geração que seja capaz de diminuir as desigualdades e os problemas sociais. Para isto, educadores e educadoras precisam tomar consciência de uma mudança de atitude. Uma mudança didática que implica no respeito aos saberes previamente constituídos e que os educandos trazem à escola, aproximando o ensino da Matemática Acadêmica à realidade de todos e de cada um.

Conclusão

Para efeitos de conclusão do nosso diálogo, queremos reafirmar que este paradigma tradicional de ensino, de uma escola que teima em ser igual ao início do século passado, não será uma escola transformadora e formadora de sujeitos capazes de transformar o estado atual das coisas. Como disse Saviani (1999), ela só reproduz a sociedade tal como ela é, ou seja, desigual, excludente, eurocêntrica. É isto que desejamos ou queremos uma sociedade com uma identidade própria, capaz de interagir com o mundo respeitando as diversas culturas sem se deixar aniquilar por outras? Se desejamos uma sociedade mais justa, mais solidária, mais humanizada, cabe-nos mudar nossas atitudes. Mudar a forma de educar pode ser o melhor começo de quem se propõe a ensinar.

A Etnomatemática é uma proposta inclusiva sim! O que ela propõe não é uma abnegação da Matemática Acadêmica, mas um modo de fortalecer o ensino/aprendizagem desta ciência. Daí que ensinar Matemática parte do pressuposto conhecer os saberes etnomatemáticos que os alunos trazem à escola. É aproximar o ensino/aprendizagem da Matemática Acadêmica à realidade de todos e de cada aluno ou aluna, diminuindo, assim, a rejeição que os meninos e meninas internalizam quando são apresentados á ela.

Para aqueles que consideram a Matemática Acadêmica imutável, não sujeita às adaptações dos grupos ou classes culturais, há que se recordar Possenti (1996) e Luft (2000) quando argumentam contra o ensino de uma gramática pesadamente lusitana dizendo que a manutenção do ensino dela como ela está, só favorece a exclusão e o preconceito social, pois nesta seara, quem sabe ou domina a norma culta da Língua Portuguesa como a Matemática Acadêmica, se mantém como dominador daquele que está à margem delas.

¹) Entrevista realizada no Instituto Evangélico de Austin para um trabalho de Atividade Complementar da disciplina Políticas Públicas da Educação Básica. Resumo adicionado neste trabalho como anexo 1.
²) Uma das provas foi tomada como exemplo e adicionada como anexo 2.
3) Instituto Evangélico de Austin: escola onde estudam os alunos de 7a. e 8a. séries que entrevistei para um trabalho de Atividade Complementar da disciplina Políticas Públicas da Educação Básica.
4) Folha da prova em anexo.
5) Originalmente o termo se refere a Etnomatemáticas, a singularização é uma dedução minha.

Referências Bibliográficas

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LIBÂNEO. José Carlos. Democratização da Escola Pública: pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1985.

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SAVIANI, Dermeval, Escola e Democracia, S. Paulo, Autores Associados, 1991

SCHWARTZMAN, Simon (Org.) Os desafios da educação no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: 2005. – (traduzido por Ricardo Silveira).