quarta-feira, 25 de junho de 2008

Educador, educadora, você escolheu intervir neste mundo complexo
por Rildo Ferreira (ferrera13@hotmail.com)

Caríssimo educador (educadora).
Soube que acaba de ingressar na docência. Soube, também, de sua felicidade ao conhecer a turma com a qual trabalhará nos próximos meses com meninos e meninas do primeiro ano do ensino fundamental. Eu também fiquei feliz por você, assim como pelas crianças, conhecendo o seu caráter e sua afeição pelo inusitado, pelo diferente, bem como o imenso carinho que nutre pelas crianças.

Felizmente educador (educadora), você escolheu intervir neste mundo complexo, cheio de preconceitos, de desigualdades, de injustiças; de ausência de solidariedade e de ausência de respeito a todos e a cada um. Dirijo-me à você reconhecendo sua enorme capacidade em promover uma educação voltada para a emancipação do Ser. Talvez, por isto, me sinto no direito de rediscutir sobre as crianças como seres autônomos, cidadãs. Sujeitos sociais e históricos, marcado pelas contradições das sociedades em que estão inseridas (kraemer, 2004: p. 54). Como educadores, precisamos reconhecer que as crianças são capazes de imaginar, criar, produzir cultura. Entendê-las, é ver o mundo a partir do ponto de vista delas (idem).

Veja caríssimo: lidar com elas não é difícil. Se as respeitamos enquanto sujeitos históricos sem abrir mão do nosso papel de adultos e de educadores, estaremos contribuindo significativamente na sua formação. A sociedade moderna troca afetividade por coisas. “se outrora a criança era vista como um ser marcado pela ingenuidade, ignorância e indolência, cujo desenvolvimento dependia estritamente do controle adulto, através da disciplina e da moralização, hoje ela assume o lugar de protagonista, alvo privilegiado da sociedade do consumo” (Salgado, Eu tenho a força: os super heróis mirins nos desenhos animados e na vida [p. 79] in SOUZA, 2003). É crescente o distanciamento entre pais e filhos. Mães que se ocupam com as telenovelas; pais que não permitem o interromper o jogo de futebol e as crianças empurradas para os vídeos-games para se ocuparem com alguma coisa.

Educar as crianças é dialogar com elas. É preciso conhecê-las a ponto de dosar as tarefas que lhes atribuímos. Dialogar não significa abrir mão da autoridade, mas não se impor exigindo demais quando deveríamos poupa-las (Kraemer, 2004: p. 59). As crianças têm sido confinadas em seus minúsculos espaços e, em muitos casos, levadas a assumirem papéis que são próprios dos adultos. Ora, as crianças querem brincar, se relacionar com as outras, experimentar. E nessa relação da inocência vai internalizando cultura, modificando-a e produzindo outras. São curiosas por excelência. Cabe-nos, portanto, dialogar levando-as da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica (Freire, 1999: p. 45). Assisti ao filme Abril Despedaçado que apresentava um personagem que não sabia ler, mas diante das ilustrações de um livro, imaginava as histórias possíveis e as narrava para si mesmo. Esta capacidade inata das crianças precisa ser estimulada para a promoção de uma educação para a cidadania, para uma cultura de paz.

Quando elas nos chegam à escola, trazem consigo valores e saberes que precisam ser explorados e socializados com as demais crianças da classe. Nossa tarefa não é fácil! O salário é obsceno e as condições de ensino são precárias. Mesmo assim, toda a sociedade reconhece e deposita na educação a possibilidade de um futuro diferente do que hoje é. Quando escolheu ser educador (professor ou professora), você fez uma opção: a de educar para transformar este modelo perverso que destrói sonhos, corrompe a infância e compromete o futuro.

Estou na torcida educador: e cheio de esperança de que um mundo justo, solidário e fraterno ainda é possível. Boa sorte e sucesso nesta árdua, mas gratificante tarefa.

Seu amigo,
Rildo Ferreira


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
______________________________________________________________________________
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia [saberes necessários à prática do educando] Rio de Janeiro. DP&A, 2005.

JOBIM E SOUZA, Solange. Educação@pós-modernidade. Ficções científicas & Crônicas do cotidiano. 1. ed. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2003. v. 1. 130 p.

KRAMER, S. Educar para a cidade-escola. Revista de Educação CEAP, v. 44, p. 53-63, 2004.


Abril Despedaçado: Filme de Walter SALLES: adaptação para o cinema foi realizada por Walter Salles, Sérgio Machado e Karim Aïnouz, produzido por Arthur Cohn.

2 comentários:

Paola Mlanarczyki disse...

Adorei teu post, porém ainda me resta uma dúvida:
Questão de Língua e/ou de Mercado?

bLOgDoRiLdO disse...

Querida Paola.
Obrigado por seu comentário e desculpa a demora em respondê-lo. Quando tiver o seu blog, dá-me o link que quero visitá-lo.
Quanto a resposta é simples: questão de consciência. Em minhas pesquisas, tenho visto professores que "odeiam" lecionar. Outros que vêem a profissão como algo para "garantir" a aposentadoria. Coisas de loucos, mas existem.
Tenho encontrado, também, professora que "adoram" crianças. Ora, case-se e vá ter muitos filhos! Educar é um ato que exige desprendimento de si mesmo.
Um grande beijo.