sábado, 26 de abril de 2008

PRECONCEITO LINGÜÍSTICO: ANÁLISE
Por Rildo Ferreira dos Santos


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Introdução


“O gaúcho fala engraçado. Parece que fala cantando”

Esta mensagem não deve ser considerada preconceituosa pois expressa uma opinião daquele que é diferente e que vive em meio aos seus. Ela foi proferida na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, por um cidadão carioca que teve contato com um grupo de turistas gaúcho. Depois, achar uma coisa engraçada não significa rejeição. A rejeição é uma característica absoluta (não única) do preconceito.

Entretanto, uma tendência banalizada é a de considerar que aquele que não fala exatamente como os outros indivíduos do meio em que se está inserido, fala errado. Foi assim que considerou um outro carioca no Jardim Zoológico no Rio de Janeiro ao ouvir um paulista gritar para um macaco prego para se balançar na “cóida” dizendo, “ridículo! Não sabe nem falar direito”. Ora, quem foi que disse aos cariocas (aqueles que consideram assim) que o carioquês é a língua oficial brasileira e que é a correta para ser utilizada na linguagem falada?

Fatos como este, e outros que são largamente comentados, como aquele em que um indivíduo econômica e culturalmente abastecido considera ignorante aquele que fala diferente dele, são abordados na obra de Marcos Bagno. É sobre esta obra que este artigo se debruça para um debate acerca do preconceito lingüístico amplamente enraizado na sociedade moderna.

Antes de falar de Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz, vamos falar do autor Marcos Bagno. É preciso esclarecer que, neste caso, quase tudo foi extraído e mantido como pode ser encontrado no site www.marcosbagno.com.br. Mas consideramos ser de fundamental importância conhecer minimamente a história daquele que coloca em questão a arrogância de quem se acha superior ao outro, ao diferente.

Logo vamos tratar da obra em si. Conhecer as posições do autor dialogando com a nossa realidade. Por fim, vamos fazer uma análise crítica no sentido de apresentar o nosso ponto de vista.


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Sobre o autor


Mineiro de Cataguases (MG), Marcos Bagno se tornou professor do Departamento de Lingüística da Universidade de Brasília (UnB), onde atua na graduação e no programa de pós-graduação em Lingüística. Coordena atualmente o projeto IVEM (Impacto do Vernáculo sobre a Escrita Monitorada: mudança lingüística e conseqüências para o letramento escolar).

Como escritor, Bagno iniciou sua carreira em 1988 ao receber o IV Prêmio Bienal Nestlé de Literatura pelo livro de contos A Invenção das Horas, publicado pela Editora Scipione, além de outros prêmios importantes como "João de Barro" (literatura infantil, 1988), "Cidade do Recife" (poesia, 1988), "Cidade de Belo Horizonte" (contos, 1988), "Estado do Paraná" (contos, 1989) e "Carlos Drummond de Andrade" (poesia, 1989). Alguns de seus livros receberam da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil a classificação de "Altamente Recomendável". Desde 1997, tem se dedicado à produção de obras voltadas para a educação... Suas obras no campo da lingüística se concentram principalmente nas questões relativas à crítica do ensino da língua portuguesa nos moldes tradicionais, baseados exclusivamente nas noções pouco consistentes da gramática normativa e impregnados de preconceitos sociais. Seu primeiro trabalho nessa linha foi A língua de Eulália (novela sociolingüística), publicado pela Ed. Contexto em 1997 e desde então constantemente reeditado.

No campo da investigação científica e acadêmica, Bagno sempre se interessou pelo que diz respeito à linguagem humana em todas as suas manifestações. Se graduou em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde também obteve o título de Mestre em Lingüística com uma investigação sociolingüística sobre o tratamento da variação nos livros didáticos de português. Obteve o título de Doutor em Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) com uma tese sobre as discrepâncias entre a língua realmente utilizada pelos brasileiros e a norma-padrão conservadora, veiculada pelas gramáticas tradicionais, pelos livros didáticos e pela mídia, que se baseiam em doutrinas ultrapassadas e não refletem a realidade da língua viva.

Em 2001, publicou o livro Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa (Parábola Editorial), que propõe uma metodologia para a introdução da prática da pesquisa em sala de aula como ferramenta pedagógica para substituir a prática tradicional das "aulas de gramática". Organizou os volumes Norma lingüística (2001) e Lingüística da norma (2002) (ambos pelas Ed. Loyola) e Língua materna: letramento, variação & ensino (Parábola, 2002). Traduziu História concisa da lingüística de Barbara Weedwood (Parábola, 2002) e Para entender a lingüística de Robert Martin (Parábola, 2003). Retomando seu trabalho de ficcionista, Bagno escreveu O espelho dos nomes (Ática, 2002), uma aventura pelo reino fascinante da linguagem, dedicada ao público infantil e juvenil. Em 2005, publicou mais três livros dedicados ao público infanto-juvenil: Murucututu: a coruja grande da noite (Ática), Uma vida de conto de fadas: a história de Hans Christian Andersen (Ática) e A Lenda do Muri-Keko (Ed. SM).

Em 2003 publicou o livro A norma oculta: língua & poder na sociedade brasileira (Parábola Editorial), em que retoma a discussão sobre o preconceito lingüístico a partir da reação da imprensa brasileira à eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República. Discute os problemas que envolvem a expressão "norma culta" e propõe novos termos e conceitos para uma análise mais precisa da realidade sociolingüística do Brasil. Examina as relações entre língua e poder na sociedade brasileira, numa perspectiva histórica, desde o período colonial até os dias de hoje.

Preconceito lingüístico: o que é, como se faz (Ed. Loyola), desde seu lançamento, em 1999, vem sendo reeditado de modo ininterrupto e constante, com uma edição nova a cada mês. Já perto de atingir sua 50ª edição, o livro é amplamente utilizado nos cursos de Letras e Pedagogia de todo o Brasil. È sobre esta obra que vamos falar no próximo tópico.


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Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz - a obra.


Esta obra é uma importante ferramenta para a ruptura dos movimentos preconceituosos de uma classe hegemônica que, antes de tudo, avilta os menos favorecidos, esgarça as diferenças sociais, numa tentativa desenfreada de manutenção do status quo. Esta classe afirma que o povão, termo utilizado para identificar a imensa maioria de pobres, usa uma linguagem inapropriada. Em outras palavras, não sabe falar, são ignorantes. Usando o termo povo para identificar a maioria desfavorecida esta classe se coloca como elite, acima do povo, condenando um brasileirismo que é utilizado em todas as camadas sociais (Luft, 2000).

Partindo desse pressuposto, Bagno se propõe a derrubar os mitos do preconceito lingüístico perpetuados pelo ensino da gramática nas escolas. Enumerando-os de 1 a 8, ele começa mostrando que até intelectuais com visão crítica, e bons observadores dos fenômenos sociais brasileiros se deixam trair por ele. É o caso de Darcy Ribeiro que, escrevendo para o jornal Folha de São Paulo em 5/2/1995 unificou a língua de todo o povo brasileiro, “sem dialetos”, disse.

Essa visão da unicidade da língua, para o autor, tem sido prejudicial à educação porque tenta impor uma norma lingüística como se a língua fosse comum a todos os mais de 180 milhões de brasileiros, independentemente das diferenças sociais, geográficas, etárias etc. Neste primeiro mito, o da unicidade da língua, merece ser destacado por sua visão crítica de como a escola tem tratado da questão. Mantida pela classe social dominante, ela impõe no ensino a variedade idiomática culta, aviltando e desqualificando as outras variedades, numa natural discriminação sociolingüística (Luft, 2000 : p.81).

Como nem todos têm acesso à escola, cria-se um abismo lingüístico onde poucos privilegiados se apropriam desta norma literária, norma culta, “empregada por escritores e jornalistas, pelas instituições oficiais, pelos órgãos do poder” (Bagno, 2001) e onde a maioria absoluta fica à margem, excluída dos seus direitos. Estes, para o autor, podem ser chamados de sem-língua. Citando Maurzzio Gnerre, que diz em seu livro Linguagem, escrita e poder, que a Constituição Brasileira afirma a igualdade entre os indivíduos, embora ela mesma seja discriminatória, dada que foi redigida apenas para uma parcela da população que é capaz de entende-la (p. 17).

Marcos Bagno: E essa história de dizer que
"brasileiro não sabe português" e que "só em Portugal se fala bem o português"
[é] uma grande bobagem, infelizmente transmitida de geração a geração pelo
ensino tradicional da gramática na escola.


O segundo mito, “Brasileiro não sabe português/Só em Portugal se fala bem português” Bagno faz uma dura crítica a Arnaldo Niskier que, ao escrever para o jornal Folha de São Paulo em 15/1/1998, destila preconceito de desprezo pela adversidade afirmando que nunca se escreveu e falou tão mal o idioma de Ruy Barbosa. A dureza da crítica se estende a outros, como o filólogo Cândido de Figueiredo pela afirmação de que nossos escritores e a imprensa periódica conspiram contra a língua dando “curso às mais extraordinárias invenções e enxertos de linguagem”, como se os romancistas, poetas, prosadores e jornalistas não reproduzissem a língua falada pelo povo.

Na citação que faz a Luiz Antonio Sacconi ele procura mostrar como é que intelectuais que fazem parte de uma elite que se coloca acima dos brasileiros comuns tentam impor uma língua usada por todos os portugueses sem considerar que não somos portugueses, ainda que pese uma grande influência deste povo na constituição da nação brasileira. Isso sem contar que os portugueses também cometem seus erros contra a gramática normativa. Como explica Bagno, os portugueses usam vocês enquanto a gramática normativa diz que o plural de tu é vós, chamando a atenção para uma “mistura de tratamento” que deve ser tratada cientificamente como uma “reorganização do sistema pronominal da língua, tanto a de lá como a de cá”.

O terceiro mito “Português é muito difícil” pode ser resumido da seguinte maneira: a língua portuguesa do Brasil é tão fácil que até uma criança de 3 anos de idade consegue internaliza-la e, aos poucos, consegue se comunicar com os seus pais e amiguinhos. A gramática (e os gramáticos) é que não acompanham as variações que a língua sofre no decorrer dos anos e perpetuam verdadeiros fósseis gramaticais, tentando nos fazer acreditar que estamos corrompendo a língua que falamos e que só eles podem salvar a língua portuguesa da decadência.

No quarto mito “ as pessoas sem instrução falam tudo errado” apresenta-nos um quadro com fenômenos fonéticos que contribuíram para a formação da própria língua portuguesa padrão. Branco, por exemplo, é de origem germânica e derivou da palavra blank, assim como outras palavras que originaram do latim como brando (do latim blandu), escravo (sclavu), obrigar (obligare), praga (plaga) etc.

Bagno mostra que Luis de Camões, autor do clássico Os Lusíadas, sofria do mesmo mal do “atraso mental” que os “ignorantes” dos nossos dias sofrem. Ele escreveu ingrês, pubricar, pranta, frauta, frecha...

Se dizer Craudia, praça, pranta é considerado “errado” e, por outro lado dizer frouxo, escravo, branco, praga é considerado “certo”, isso se deve simplesmente a uma questão que não é lingüística, mas social e política – as pessoas que dizem Craudia, praça, pranta pertencem a uma classe social desprestigiada, marginalizada, que não tem acesso à educação formal e aos bens culturais da elite, e por isso a língua que elas falam sofre o mesmo preconceito que pesa sobre elas mesmas, ou seja, sua língua é considerada “feia”, “pobre”, “carente”, quando na verdade é apenas diferente da língua ensinada na escola (Bagno, 1999).

Ele também mostra que nas diferentes regiões do Brasil os dialetos são diferentes muito em função da palatização, mas que também sofreu a influência do processo colonizador e ainda sofre com o subdesenvolvimento, com a miséria e a pobreza.

Outro mito “o lugar onde melhor se fala o português no Brasil é o Maranhão”é criticado porque “não existe nenhuma variedade nacional, regional ou loca que seja intrinsecamente ‘melhor’, ‘mais pura’, mais bonita’, ‘mais correta’ que outra. Toda variedade lingüística atende às necessidades da comunidade de seres humanos que a empregam’ (Bagno, 1999). Neste tópico há uma crítica ao Pasquale Cipro Neto por uma entrevista concedida a Revista Veja em 10/9/1997 dizendo que o grande número de imigrantes em São Paulo não seria suficiente para explicar o português esquisito dos paulistanos, atribuindo aos cariocas a melhor expressão sob a ótica da norma culta. Ora, quais foram os critérios que levaram Pasquale C. Neto a concluir que o sotaque paulistano é esquisito e o sotaque carioca é o mais apropriado à norma culta? Há, nesta afirmação, uma rejeição ao sotaque paulistano, o que implica dizer “puro preconceito”.

“O certo é falar assim porque se escreve assim” é o título que orienta o sexto mito. Sobre este assunto, Bagno invoca as inflexões da língua falada que denotam os sentimentos expressos e que, na escrita, faz-se necessário a utilização de complementos para a interpretação correta daquilo que o autor tentou passar. Além dessa inflexão corrente na língua falada e que não se apresenta na língua escrita, há outro fator que inverte a razão do mito. Ou seja, a espécie humana tem, pelo menos, um milhão de anos e as primeira formas de escrita surgiram há apenas nove mil anos. Antes disso, a humanidade falava sem a necessidade da escrita. A gramática, portanto, surgiu com o objetivo de investigar as regras da língua escrita para preservar as formas mais “corretas” da língua literária, não com o objetivo de mudar a forma de falar.

Outro mito questionado pelo autor diz que “é preciso saber gramática para falar e escrever bem”. Ora, a gramática normativa não estabelece o que é a norma culta. A gramática tem como fim definir, identificar e localizar os falantes cultos, coletando a língua usada por eles para descreve-la de forma clara, objetiva e com critérios teóricos e metodológicos coerentes.

Fechando o ciclo mitológico, Bagno mostra que o preconceito lingüístico é uma sombra que tenta ocultar e justificar o preconceito social. “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social” não passa de mito ou, se assim fosse, os professores ocupariam o topo da pirâmide social, e não é isto o que ocorre. Ao contrário, estes recebem salários aviltantes e são constantemente desrespeitados nos seus direitos mais elementares.

No Capítulo 2 ele fala sobre os quatro elementos que compõem o círculo vicioso do preconceito lingüístico que são a gramática tradicional, os métodos tradicionais de ensino, os livros didáticos e os comandos paragramaticais; dizendo que a gramática tradicional inspira a prática de ensino, que por sua vez provoca o surgimento da indústria do livro didático que recorrem à gramática tradicional como fonte de concepções e teorias sobre a língua. Para fechar o círculo, o que ele chamou de comandos paragramaticais, que engloba todo o arsenal de livros, manuais de redação jornalístico, programas de rádio e de televisão, colunas de revistas e jornais, CD-ROMS, “tele-gramática” e tc.

Neste capítulo ele faz uma dura crítica ao professor Napoleão Mendes de Almeida por seu Dicionário de questões vernáculas onde discrimina as várias línguas brasileiras. “Língua de cozinheiras” e de “infelizes caipiras” na expressão do professor Napoleão são para Bagno puro preconceito lingüístico. Estende as críticas a Luiz Antonio Sacconi em seu livro Não erre mais!, pelo grande volume de expressões preconceituosas, e também a Dad Squarisi, em artigo publicado no Diário de Pernanbuco numa coluna chamada “Dicas de Português”, afirmando que no texto “pululam as palavras de conteúdo semântico fortemente preconceituoso”.

No terceiro capítulo de Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz, Bagno se preocupa com a desconstrução do preconceito chamando para a reflexão e para o reconhecimento da crise no ensino da língua portuguesa. Sua proposta inicial é de uma mudança de atitude, impondo-nos como falantes competentes de nossa língua materna. Para aquele que educa, não aceitar dogmas e adotar uma nova postura crítica em relação com o seu objeto de trabalho: a norma culta.

O educador – educadora deve postular uma linguagem compreensível e não se deter nos erros de ortografia. Corrigi-los também, mas secundariza-los. Os erros ortográficos não devem servir de motivo para rotular aquele que aprende. Por fim, ele apresenta um quadro que serve de “corte no cordão umbilical que sempre nos prendeu às velhas doutrinas gramaticais...” e que sintetiza toda a obra.

No quinto e último capítulo do livro ele remonta todo esse histórico do preconceito lingüístico citando autores renomados, jornais e revistas, que tem se preocupado na perpetuação deste e de outros preconceitos com vistas a manutenção do status quo. Seu questionamento merece reprodução para uma reflexão conclusiva. “A quem interessa defender o ‘português ortodoxo’ de uns pouquíssimos ‘melhores’ contra a suposta ‘heresia gramatical’ de muitos milhões de outros?”


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A crítica faz sentido




...Enquanto o brasileiro não se abrasileirar é um
selvagem. Os tupis nas suas tabas eram mais civilizados que nós em nossas casas
de Belo Horizonte e São Paulo. Por uma simples razão: não há uma civilização. Há
civilizações... Nós, imitando ou repetindo a civilização francesa ou alemã,
somos uns primitivos, porque estamos ainda na fase do mimetismo.(apud Daniel
Pécaut. Os intelectuais e a política no Brasil. São Paulo. Ática, 1990. p.
27)


Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz nos traz de forma clara o que sabemos existir, inclusive em nós mesmos, sem admiti-lo. O preconceito é uma cultura que remonta os tempos da ocupação das terras brasileiras. É possível considera-lo um mal que começa a ser desvendado e, como moléstia, precisa de tratamento terapêutico com o paciente sabendo do mal que lhe ocorre e que luta para livrar-se dele. Como não há uma cura definitiva, o paciente deve reconhecer sua doença (o preconceito) e travar uma luta diária para não permitir que ela se manifeste nas diversas situações.

Um vídeo do projeto Olho Vivo da cidade de Curitiba/PR, de título Um Olhar Crítico da Cidade de Curitiba, mostra professores e alunos debatendo sobre o preconceito racial presente na sociedade curitibana, e um dos alunos textualmente diz: “Na minha própria família, putz!... Eu fico de cara com isso porque, eles são racistas, me ensinam, se auto-ensinaram a omitir que são. Por conta dessa minha cultura descendente eu sei que eu sou, mas eu tento não ser racista”.

Marcos Bagno em sua obra em discussão ele mostra que o preconceito lingüístico traz embutindo outros preconceitos como o social e o racial. E ele também levanta a questão de que a escola reproduz esse preconceito, ainda que alguns educadores o fazem de modo “inocente” porque também foram educados assim, e para perpetuar esse estado de coisas. Ora, “em todas as sociedades existe alguma diferença de status ou de papel entre indivíduos ou grupos, estas diferenças se refletem na língua” (Possenti, 2006: p. 34).

Assim, o ensino da língua portuguesa reproduz o modelo da classe hegemônica e fazem da gramática normativa o eixo condutor que pode livrar as pessoas da ignorância, ensinando-as a falar corretamente, como se fosse possível dizer qual é o modo correto de falar, considerando a diversidade lingüística do povo brasileiro. Celso Pedro Luft (2000) afirma em seu livro Língua e Liberdade (Ática) que “Mantida pela classe social dominante, a escola impõe no ensino obviamente a variedade idiomática culta, relegando e desprestigiando as outras variedades, numa natural discriminação sociolingüística (p.81)”.

Um fato ocorrido numa escola estadual no município de Queimados/RJ mostra que o ensino da Língua Portuguesa está distante da realidade dos alunos, o que provoca uma rejeição precoce da disciplina. O professor dissertava sobre substantivos e adjetivos. Os alunos estavam dispersos e o professor insistia no assunto. Quando os alunos foram questionados sobre o comportamento em sala, um dos alunos perguntou: “professor, se me perguntarem o que é um elevador (este era o substantivo de uma frase), quem me pergunta quer saber se eu sei o que é um elevador, ou se eu sei que um elevador é um substantivo?”. Este é um problema que a escola apresenta hoje. Estamos ensinando a gramática normativa como se ela pudesse alterar o curso da história e não o contrário, a história alterar a gramática normativa.

Todos sabemos falar. As crianças não conseguem ler –e nem sabe que existe gramática normativa, mas são bem sucedidas na internalização da linguagem materna (Possenti, 2006: p 21). As regras básicas de comunicação ele aprende no convívio familiar e que, em muitos casos, os pais tem pouco ou nenhum estudo, portanto, desconhecendo integralmente o que vem a ser norma culta da língua portuguesa.

Não é possível estabelecer uma unidade lingüística num país como o Brasil onde há variantes regionais, culturais, mas sobretudo sociais, onde poucos têm acesso privilegiado e a grande maioria são aviltadas dos seus direitos mais elementares. Por isso o ensino da língua portuguesa deve procurar conseguir que os alunos desenvolvam e aprimorem sua capacidade comunicativa. “O melhor “ensino” gramatical da língua culta se cumpre no consumo diuturno das letras –lidas e escritas. Ler e escrever, escrever e ler – é conviver com a gramática em funcionamento. Nada, em linguagem, se faz sem gramática. E os melhores textos se fazem com a melhor gramática (incluídas naturalmente regras de arte da linguagem) (Luft, 2000: pp. 94; 108).



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Conclusão


O livro Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz é um convite à reflexão. São muitas as manifestações preconceituosas que se desenlaçam no preconceito lingüístico A classe hegemônica impõe um ensino da norma culta para manter a sociedade tal como ela se apresenta, com suas profundas desigualdades e injustiças. É a manutenção do status quo que faz milhares de homens e mulheres “vitimas de verdadeira inquisição gramatical” (Luft, 2000: p.95).

Ora, Nem o português de Portugal foi sempre o português, não foi sempre como é. Ou seja, aprendemos que o português veio do Latim e o Latim não é uma língua totalmente pura pois também derivou de outra língua (Possenti, 2006: p. 37). Isso quer dizer que a língua sofre variações ao longo dos anos e, portanto, não é justo manter imutável uma gramática normativa, que seja eterna. Se o objetivo da língua é fazer com que todos e cada um possam se comunicar corretamente, de modo a ser compreendido e compreender, isto já fazemos muito bem. Inclusive crianças na tenra idade que nada conhecem de regras gramaticais.

Logo, aquele que se propõe a ser um educador ou educadora deve pautar-se nas críticas da obra de Bagno e postular uma mudança de atitude com vistas à superação dos mais variados preconceitos, sobretudo do preconceito lingüístico. Concluímos, portanto, com um repensar a forma de ensinar (se é que é possível) o ensino da língua portuguesa. Não se deter nas questões gramaticais e aprofundar na produção de textos e na leitura de bons textos. Respeitar a variedade lingüística de todos e da cada um, o que no modo de ver do autor, significa ensinar para o bem valorizando o conhecimento intuitivo de quem aprende. Ensinar bem e para o bem é elevar a auto-estima, acrescentar cultura e não suprimir; é respeitar a identidade do outro.

Esse diálogo nos remete ao pensamento de Paulo Freire sobre o respeito aos saberes do educando. Ele afirma que “Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela saberes socialmente construídos na prática comunitária... (Freire, 1996. Pg 30)”. Ensinar bem e para o bem, é fazer o aluno sentir o desejo de voltar à sala de aula e não de rejeita-la. Então, adotar uma nova práxis educacional, esboçando um novo paradigma que substitua o ensino-aprendizagem que se baseia numa relação obsoleta, desestimulante, propondo uma relação educacional que se fundamenta no desenvolvimento criativo, que preserva a diversidade nessa relação planetária onde o respeito, a solidariedade e a cooperação sejam bases fundamentais para alicerçar o comportamento do professor/a com vistas a superação das dificuldades e da melhoria das condições de vida para todos e onde a forma lingüística falada não seja vista como inferior, mas diferente.


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Bibliografia



Bagno, Marcos. Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz. 49a. ed. São Paulo. Loyola, 2007



Possenti, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. 16a. ed. Campinas, SP - Mercado de Letras, 2006.



Luft, Celso Pedro. Língua e Liberdade. 3a. ed. São Paulo. Ática, 1996.



FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. [Saberes Necessários à Prática Educativa]. 35a. ed. São Paulo. Paz e Terra, 1996 (coleção leitura).

Um comentário:

ELCAlmeida disse...

Porque não tem havido mais actualizações aqui?
E uma posição actual sobre o Acordo Ortográfico?
Cumprimentos
Eugénio Almeida