segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

O MEC não pára de errar

Por Rildo Ferreira


Estou a me debruçar sobre o texto do Ghiraldelli (foto) por razões pessoais. Eu o tenho como referência e em quase todos os meus produtos acadêmicos faço citação aos seus trabalhos. Quando vi na coluna de Notas & Notícias deste blog o título da dissertativa, e por se tratar da área de educação, que é a área que me proponho na minha formação acadêmica, deparei-me com uma crítica ao Programa de Desenvolvimento da Educação do governo federal.
A primeira vista, me pareceu que o nobre educador e filósofo sofre da “síndrome do desejo de que tudo dê errado” no que está proposto. Aprofundei-me na reflexão tentando apropriar-me (sem conseguir, é claro!) da visão a partir da posição do educador-filósofo. Logo, cheguei a conclusão que a sua crítica pode não estar inteiramente correta (embora seja a verdade segundo o seu modo de ver), mas abre uma discussão interessante sobre o papel social na educação das nossas crianças.


A educação formal pública é a cota de responsabilidade do Estado nesse esforço social mais amplo, que não se desenrola apenas na escola pública, mas em lugar na família, na comunidade e em toda forma de interação na qual os indivíduos tomam parte, especialmente no trabalho (PDE).” Muitos autores criticam duramente o papel da escola enquanto compensatória, aquela que substitui a família no papel de cuidar das crianças. Com efeito. Se a escola passa a desempenhar o papel de cuidadora das crianças, deixa de exercer sua função fundamental, que é o de estimular a busca do saber, da busca do conhecimento científico, partindo da curiosidade ingênua (Freire*, 1996) inata nas crianças. Ghiraldelli afirma que os objetivos do PDE “são vagos e mal redigidos”. Sob esse aspecto é preciso levar em conta àquele que o lê. Ora, senhoras e senhores; o que diz o plano a respeito da participação de todos? Diz o plano que o Estado faz uma parte de um processo cujo o todo envolve a comunidade, a família, o trabalho, a vida coletiva etc.


Vamos simular um exemplo de participação do coletivo na educação de uma criança. Um grupo de amigos e seus filhos resolveram ir ao Morumbi ver um jogo histórico da Seleção Brasileira e a Seleção de Guiné-Bissau, cuja renda se reverterá em ajuda humanitária para os pobres daquele pequeno país africano. Naturalmente que todos esperam que os craques brasileiros façam uma grande exibição diante de uma Seleção que não tem tradição no esporte. Lá, se decepcionam. O Brasil joga muito mal e, ainda no primeiro tempo, Guiné-Bissau vence por 1x0. Diante do fracasso brasileiro passam a chutar as cadeiras do estádio e a proferir palavras não publicáveis para expressar seu descontentamento. O que estas crianças aprendem com esse gesto? Ali não ocorreu um processo de ensino-aprendizagem? Quem aprendeu foram as crianças, mas quem ensinou não foram os professores em sala de aula. Eis um clássico exemplo da participação da comunidade no processo educacional brasileiro.


Daí que a sua crítica “Ninguém mais poderia ir para o trabalho caso essa idéia vingasse, pois todos nós teríamos de ir para a escola para ajudá-la a funcionar” não procede. Nosso papel enquanto comunidade não é o de substituir o Estado, mas o de perceber que em convivência com as crianças todos somos educadores. Logo, nossas atitudes precisam ser vivenciadas de modo a formar cidadãos que busquem a viver de modo digno, justo e solidário. Ghiraldelli continua a ser contundente em sua crítica ao afirmar que “Uma das partes que o PDE quer resolver, mas não conseguirá, é a da formação de professores do ensino básico (fundamental e médio). Temos carência de professores no Brasil. Ao mesmo tempo, os que estão nas salas de aula não estão conseguindo dar conta do recado, pois temos claro que nossos alunos são qualitativamente inferiores ao que poderíamos esperar de um aluno brasileiro”. Bem, aqui preciso tecer algumas considerações. O Brasil tem carência de professores BEM formados, e não carentes de números de professores. O que precisa ser feito é CONTRATAR esses professores e coloca-los em sala de aula. Mas como fazer isto se a imprensa ideológica e os “baluartes da moral e dos bons costumes” exigem a redução do Estado? Quanto aos que estão em sala de aula ( se se refere aos professores em formação) serem qualitativamente inferiores é preciso compreender que estão sendo formados por outros que já estão formados. Daí, decorre que estes (os formadores) não estão comprometidos com o que chamamos de qualidade. Independente do nome que se dá às disciplinas básicas da Pedagogia, o que importa é o conteúdo e a forma como esse conteúdo está sendo aplicado na formação dos novos professores.

O que o PDE propõe com a Universidade Aberta? “A UAB dialoga, assim, com objetivos do PNE: ‘Ampliar, a partir da colaboração da União, dos estados e dos municípios, os programas de formação em serviço que assegurem a todos os professores a possibilidade de adquirir a qualificação mínima exigida pela LDB, observando as diretrizes e os parâmetros curriculares’ e “Desenvolver programas de educação a distância que possam ser utilizados também em cursos semipresenciais modulares, de forma a tornar possível o cumprimento da meta anterior (MEC)”. O que diz Ghiraldelli? “Acreditar que alguém que está no ensino básico, com os salários defasados como estão, vai melhorar sua capacidade intelectual e pedagógica pelo contato com um sistema virtual de ensino, que dificilmente pode chegar com eficácia aos lugares mais carentes, não é algo que se deva fazer”. Ora, não é isso que demonstram os resultados dos cursos à distância oferecidos pelo sistema CEDERJ envolvendo universidade como a UFF, UERJ, UENF, UNI-Rio e UFRJ**, que superam, em muito, a qualidade se comparadas à algumas Universidades privadas. Aqui sim, está um dilema a ser questionado. Ora, no Brasil, temos vivido a indústria dos diplomas, a McDonaldização da Educação. O que me chama a atenção é o grande número de professores nas Universidades privadas que atuam como professores nas Universidades públicas. Eis, então, uma crítica da qual comungo com o educador Ghiraldelli. Qual seja: a da aviltante remuneração do educador brasileiro, empurrando-o a duplicar sua jornada para melhorar seus rendimentos.

Mas quanto a isso, o PDE também deu um passo importantíssimo. Não tanto quanto devia, mas um passo irreversível que se dá em direção ao que se deseja. Vejam: “Um dos principais pontos do PDE é a formação de professores e a valorização dos profissionais da educação. A questão é urgente, estratégica e reclama resposta nacional. Nesse sentido, o PDE promove o desdobramento de iniciativas fulcrais levadas a termo recentemente, quais sejam: a distinção dada aos profissionais da educação, única categoria profissional com piso salarial nacional constitucionalmente assegurado, e o comprometimento definitivo e determinante da União com a formação de professores para os sistemas públicos de educação básica (a Universidade Aberta do Brasil7 – UAB – e o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID)”.

Ao finalizar, Ghiraldelli comete, ao meu ver, uma dicotomia verbal. Diz ele: “O Brasil não pode ficar restrito aos cursos de Pedagogia para formar professores. Esses cursos proliferaram demais e são fracos - em todos os sentidos”. Entendo que não ficar restrito é o mesmo que AMPLIAR, permitir outras áreas para a formação de professores; mas se proliferaram demais isto quer dizer que há oferta suficiente para a formação de professores, logo, desnecessário ampliar para outras áreas a questão da formação dos professores. Quanto ao fato de serem de baixa qualidade (fracos), nisto estamos de acordo. Mas também quanto a isto, o PDE propõe “‘A União, o Distrito Federal, os estados e os municípios, inclusive em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial, continuada, e a capacitação dos profissionais de magistério’. Para dar conseqüência a essas responsabilidades, a União necessita de uma agência de fomento para a formação de professores da educação básica, inclusive para dar escala a ações já em andamento”.

Eu vou encerrar por aqui reconhecendo que esse debate está no seu início. Antes, portanto, preciso dizer que esse discurso do educador Ghiraldelli, ao meu ver, está carregado de ideologia e pessimismo exacerbado. Que tal se todos nós educadores, formados e em formação, debruçássemos sobre o tema para ver o que é que cada um pode fazer para contribuir, reconhecendo que esse Brasil é nosso e precisa dar certo.

(*)
Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa/São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura)
(**)
UFF – Universidade Federal Fluminense
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UENF – Universidade Estadual do Norte Fluminense
UNI-Rio – Universidade do Rio de Janeiro

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

Paulo Ghiraldelli Jr. é filósofo e escreveu para o jornal O Estado de São Paulo

sábado, 22 de dezembro de 2007

O CHICO ZONA SUL E O VELHO GUANDU

Por Rildo Ferreira (21/12/2007)

No nordeste chamam o Rio São Francisco de Velho Chico. O nosso Chico não é tão velho assim, aliás, tem uma aparência (e frequente) ótima na TV, não importa qual rede pertença. Este Chico (que é o deputado Chico Alencar-PSOL/RJ) eu o chamo de Chico Zona Sul. Um pequeno burguês com discurso revolucionário que às vezes nos soa mais como raivoso, rebelde, que revolucionário.

Eu o chamo de Chico Zona Sul pois este é o seu território circunscrito na cidade maravilhosa. Se conhece alguma coisa de outra região, deve ser aquelas que se avizinham a Zona Sul. Como a Zona Oeste no Rio de Janeiro é uma região muito populosa e que mereceu atenção especial nos últimos anos, pode ser que ele tenha visitado a região, não para conhece-la de fato, mas para dizer que lá esteve, embora essa ilação seja apenas uma teoria muito pessoal, já que não sigo os passos do deputado Rio/Brasília.

E o que o velho Guandu tem a ver com tudo isso? Que tem a ver o velho Chico nordestino com o Chico Zona Sul e com o velho Guandu? Ora, senhoras e senhores, o Chico Zona Sul apareceu ao lado do ator Osmar Prado e da atriz Letícia Sabatela , todos por detrás de uma faixa de “solidariedade” ao padreco chantagista que prefere a morte de milhares de sertanejos a dividir um pouco da água do velho Chico –que não confundam velho Chico com o Chico Zona Sul (Veja Vídeo TV-Câmara). A Hipocrisia do Chico Zona Sul é de fazer nascer cabelo na careca do Romário sem precisar de medicamentos que comprometam sua carreira por dopping. Logo o Chico Zona Sul, que por toda a sua vida bebeu água transpositada do velho Guandu e jamais se preocupou com água tratada para o povo da baixada fluminense, região onde está localizada a estação guandu de beneficiamento, tratamento e bombeamento de água para a capital Rio de Janeiro.

O velho Guandu é formado pelos rios Ribeirão das Lages; rio Piraí e Paraíba do Sul. É o mais importante do Estado considerando que ele é responsável pelo abastecimento de água para cerca de 85% dos domicílios da região metropolitana. Para a FEEMA “A ocupação urbana da bacia do rio Guandu, refletida pela tendência natural de expansão da Região Metropolitana para a Baixada Fluminense e Zona Oeste, contribui significativamente para a poluição do rio e seus afluentes, traduzidos, principalmente, pelos altos teores de coliformes fecais (termotolerantes) encontrados. ... pode-se inferir, portanto, a vulnerabilidade do sistema ETA-Guandu, e a necessidade de vigilância constante sobre a qualidade de suas águas, que atue como um sistema de detecção tanto para os lançamentos contínuos, provenientes de atividades poluidoras, quanto para ocorrências episódicas decorrentes de poluição por acidentes nas rodovias e ferrovias que margeiam o rio (FEEMA,2007).”

Com efeito senhoras e senhores. O assunto do velho Chico está na TV. Logo, o Chico Zona Sul está lá para fazer coro com os que são contra a transposição. Mas o velho Guandu, doente e precisando de ajuda, não encontra eco nos discursos do deputado carioca. Logo ele que usufrui grandemente do velho Guandu. Para melhor esclarecer o nível da enfermidade do velho guandu, vou expor aqui fragmentos do artigo de Joerson Kelman* que diz “A vazão bombeada do Rio Paraíba do Sul para o Guandu, atualmente menor do que o normal equivale a mil litros por habitante, a cada dia. Muito mais do que seria necessário (grifo meu) para abastecer toda a população (cada um de nós consome, em média, cerca de 200 litros por dia). Isto é, o volume diário retirado do Paraíba é cerca de cinco vezes o que seria estritamente necessário. Enquanto isto, o estoque de água nos reservatórios localizados nas cabeceiras do Paraíba do Sul, em território paulista, está em cerca de 14% do volume máximo (estaria vazio, não fosse a ação preventiva) (ambientebrasil, 2007).”

Ele argumenta ainda que esse estoque poderia chegar a 8% com ausência das chuvas na região e que, devido ao aumento da poluição no velho guandu, será preciso aumentar o volume de água por meio da transposição do Paraíba do Sul para o Guandu para manter a mesma concentração de poluentes. Isso entretanto não acontece e o volume de água retirado do Paraíba do Sul diminuiu provocando um aumento na concentração de poluentes no rio Guandu “fazendo com que a CEDAE gastasse mais com produtos químicos (sulfato, cal e cloro) para limpar a água. Contudo, a situação está tão difícil que a água do Guandu está perto de se tornar intratável. Portanto, poderá ocorrer racionamento não por falta de água, e sim porque ela está excessivamente suja. De onde vem tanta sujeira? Vem dos esgotos urbanos e industriais não tratados e do lixo carregado pelas chuvas para dentro dos cursos de água das bacias hidrográficas do Paraíba do Sul e do Guandu. A situação é particularmente crítica na Lagoa do Guandu, vizinha à Estação de Tratamento de Água operada pela CEDAE, onde ocorre grande proliferação de algas. Nesta lagoa desembocam os rios Dos Poços, Queimados e Ipiranga, que atravessam os municípios de Nova Iguaçu, Queimados e Japeri, carreando esgoto in natura e lixo, produzidos por 182 mil habitantes (idem).”

Vejam, senhoras e senhores. No Rio de Janeiro tem transposição de água do rio Paraíba do Sul para o velho Guandu, que por todos esses anos de vida (e não sei qual a idade do deputado) saciou a sede do Chico Zona Sul e de milhares de outros cariocas, possivelmente me incluo, e não houve um chiadinho só em benefício do velho Paraíba do Sul. O velho Guandu está, pelas palavras de Kelman, fadado a transformar-se num imenso esgotão a céu aberto e o deputado de gabinete não estende nenhuma faixa de solidariedade, de apelo pela revitalização do velho Guandu. Mas isso tem uma explicação: não há câmeras de TV por lá, nem padrecos fazendo greve de fome. Também não temos atores como Osmar Prado e atrizes como Letícia Sabatela (linda, admito) para chamarem a atenção em favor do nosso velho Guandu.

Esse assunto eu o trago em pauta para questionar o caráter oportunista do Chico Zona Sul em se tratando de transposição das águas do Rio São Francisco. Se o Chico do Rio pode beber água transpositada do Rio Paraíba do Sul para o Guandu, por que o Chico lá do sertão nordestino não pode beber água transpositada do velho Chico? O Chico Zona Sul é mais humano que o Chico nordestino do semi-árido? E se o velho Chico precisa ser revitalizado para atender as reclamações das populações ribeirinhas e merece manifestações, porque o velho Guandu não merece as mesmas atenções já que o fim é o mesmo? Será que os ribeirinhos de lá são mais humanos que a população carioca? O padreco tem um motivo: defende o próprio umbigo e outros fins ainda não conhecidos. Mas, o Chico?!!! Fora o fato de fazer disto um palanque particular, desconhece-se outro propósito. São questionáveis suas atitudes. Esta é a minha opinião.

(*) Jerson Kelman é Diretor-Presidente da Agência Nacional de Águas

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

A quem interessa o fim da CPMF ?
(parte 2)

Eu quero voltar a esse assunto pois o considerei muito importante como debate político entre aqueles que têm buscado informações na mídia alternativa, já que as mídias tradicionais mostram mais sua ideologia que qualquer razão ética para noticiar fatos.



Prova cabal do que estou falando foi publicado no jornal Folha de São Paulo do último domingo (16/12 – foto) onde estampa na manchete principal que 20 milhões de brasileiros deixaram a linha de miséria (classe D/E), mas atribui isso ao crescimento que o Brasil teve na economia. Ora, senhoras e senhores; o Brasil sempre teve crescimento polpudo sem, no entanto, possibilitar as famílias brasileiras melhores condições de vida.

O sub título diz que “melhoria de vida dos mais pobres se acelerou nos últimos 17 meses, fase de maior avanço econômico." Nada disso! Com toda a certeza essa melhoria se deu por conta dos 7,5 bilhões que a CPMF oferecia para o fundo de combate à pobreza (Fonte: Conversa Afiada*) onde 7,4 bilhões era aplicado no bolsa família e que os algozes da CPMF –e que muitos reproduzem nos seus discursos sem criticidade- dizem ser ilegal pois não eram aplicados na saúde. Meus amigos e minhas amigas, a miséria absoluta era a principal causa das romarias aos hospitais e postos de saúde públicos do país. Não há como negar que investir na melhoria da qualidade de vida é investir no setor da saúde pública. Logo, cabe-nos indagar: não era justo o investimento?

O colunista da Folha de São Paulo Kennedy Alencar** mesmo obediente ao editor da Folha escreveu em sua coluna do dia 17 que “o PSDB não sabia o que fazer com a "vitória política" que conquistou ao rejeitar a prorrogação da CPMF até 2011.” Porque ele chegou à essa conclusão? Ora, ele mesmo responde ao afirmar “O setor tucano que tem chance concreta de conquistar o Palácio do Planalto deseja contar com um mecanismo fiscal poderoso (grifo meu) como a CPMF.” Isso eu disse no artigo anterior. A CPMF permitia ao governo fiscalizar aqueles que sonegavam impostos e faziam trambicagem nas casas de câmbio, gastando muito mais do que ganham como proventos, portanto, dinheiro ilegal.

O mesmo colunista também reproduz um discurso da direita que manteve sua hegemonia até FHC afirmando que o governo precisa cortar gastos para suprir a ausência da CPMF. Com efeito, senhoras e senhores; onde o governo precisa cortar gastos na visão messiânica destes baluartes da moral e da honestidade? O propósito, ao meu ver, é levar ao fim e ao cabo um projeto de recuperação da hegemonia perdida para manter o pobre no seu devido lugar; no modo de pensar deles, na miséria.

O Conversa Afiada apresenta um outro dado muito importante sobre onde é aplicado a CPMF no caso da saúde. São 15,7 bilhões usados prioritariamente para consultas especializadas, exames de patologia clínica, raios-X, ultra-som, tratamento de câncer, hemodiálise, doenças cardíacas e respiratórias entre outras. Para a previdência, a CPMF contribuía com 7,9 bilhões que eram utilizados para o pagamento dos benefícios rurais garantidos na Constituição de 88. Esses são os gastos que o governo deve cortar para ajustar o Brasil segundo o interesse desta elite hipócrita. Permitam-me outra pergunta: é isto mesmo que você quer reproduzir nos seus discursos?

O Folha de domingo diz aquilo que o governo fez com suas políticas sociais, em grande parte com o dinheiro da CPMF, e atribui à um crescimento econômico que só foi possível graças às políticas sociais do governo. Ora, foram mais de 4 milhões de famílias que passaram a freqüentar supermercados, abatedouros, açougues e farmácias com os recursos oriundos do bolsa família. O mercado vendendo mais, passou a comprar mais. Comprando mais, a indústria teve que produzir mais e produzindo mais, gerou mais empregos que permitiu que outras tantas famílias tivessem melhorado sua renda que passou a consumir mais, que passou... Enfim, isso é um circulo virtuoso que o Brasil ganhou e permitiu um crescimento mais justo, onde o pobre pode pegar parte do crescimento e levar pra casa. É isso que esta elite tenta acabar. Como disse Mino Carta*** em seu Blog “...neste nosso Brasil brutalmente desigual quem milita na minoria branca quer levar vantagem. Sempre e sempre”.

Eu já me alonguei demais ainda com a sensação de que deixo o debate no seu começo. Mas espero que o leitor possa contribuir para o esclarecimento da questão: a quem interessa o fim da CPMF?

*) Conversa Afiada é o Blog do Jornalista Paulo Henrique Amorim
**) Kennedy Alencar é colunista da Folha Online
***) Mino Carta é jornalista e diretor de redação da revista Carta Capital

sábado, 15 de dezembro de 2007

A quem interessa o fim da CPMF?

Assistimos as comemorações dos oposicionistas e da mídia ideológica quando o Senado anunciou o fim da CPMF. Eu fiquei assustado quando um amigo muito próximo também comemorou. Daí, perguntei a ele o que é que ele comemorava. Então ele me respondeu que deixará de pagar mais um imposto. Abri um diálogo com ele e buscamos entender a esse questionamento: a quem interessa o fim da CPMF?

Tentei explicar a ele quem foi que criou o imposto e sob quais condições. Depois, procurei mostrar como eram destinados os recursos da CPMF e, por fim, o quanto eu e ele, que ganhamos cerca de 3,5 mínimos por mês, pagamos mensalmente de CPMF. A nossa conversa foi assim desenrolando uma série de outros questionamentos que convergiam sempre ao que titula esse artigo.

Ora, chegamos a conclusão de que a saúde pública tem um público circunscrito, ou seja, aqueles que não têm condições de pagar os caríssimos planos de saúde. Mas e os deputados e senadores? Eles não usam o serviço público de saúde? Usam, às vezes. Normalmente ficam numa enfermaria PRESIDENCIAL. E, claro, o atendimento (VIP) é diferenciado daquele que ocorre nos corredores das emergências. Bem, então não faz mal que os hospitais e postos de saúde apodreçam sem condições de uso. Pobre não merece um serviço de saúde de qualidade mesmo.

Mas estavam desviando recursos da CPMF. Não eram todos empregados na saúde. Observamos que dos 0,038%, só 0,02% se destinavam à saúde. 0,01% era desviado para suprir os buracos da previdência. Aqui fui obrigado a aprofundar a assunção para explicar que muitas cidades deste país, sobretudo do norte e nordeste brasileiro, vivem quase exclusivamente dos recursos que são pagos aos aposentados e pensionistas e que estes sustentam toda a família com esse recurso. Logo, apesar deste desvio contribuir decisivamente para muitas famílias deixarem o estado de miséria em que viviam, para aqueles que defendiam o fim da CPMF não era justo e, portanto, justifica o fim do imposto. Mas para nós?! Convenhamos!

E tem mais: desviam 0,008% para o bolsa família. Vejam, esse recurso já tirou milhões de pessoas da mais absoluta miséria e promoveu um dos melhores índices de matrículas e permanência na escola de crianças em idade escolar. Mas para os defensores do fim da CPMF isso não é relevante. Por que levar meninos e meninas à escola? Para serem alfabetizados, aprenderem a ler e escrever e deixarem de ser manipulados? Não, isso não. Mantendo essas pessoas lá, no lugar miserável delas, os defensores do fim da CPMF consegue manipula-las, mantê-las sob controle. Ah! Tem mais uma: antes os programas sociais eram distribuídos segundo o interesse dos deputados, senadores, prefeitos e vereadores do partido do governo. Bem, isso acabou. O beneficiário passa a receber diretamente no caixa do banco ou da loteria sem a interveniência de um charlatão qualquer. Daí, se isso acabou, acaba-se também com a CPMF pois não faz sentido o seu existir, ela emperra o crescimento econômico do país.

Então o bonitão do Alexandre Garcia lá da Rede Globo, comemorando o fim da CPMF diz que vai sobrar 40 bilhões que serão injetados na economia do país. Ora, que ingenuidade (ou será propositada a ingenuidade ?)! Eu vou economizar cerca de R$ 5 por mês. Meu amigo também. Juntos, nosso dinheiro não paga 2 latas de leite em pó. E querem me fazer acreditar que isso vai ajudar na economia do país? Será que aqueles que tem de contribuir com cerca de R$ 200 por mês vai aproveitar e gastar esse dinheiro no comércio da sua cidade? Puxa! Não só dizem como tentam me fazer acreditar que sou idiota mesmo!

O meu amigo chegou a conclusão de que quem precisa pagar muito, como no exemplo acima, não vai gastar esse dinheiro a mais todo mês pra fazer a economia crescer. Se puder, ele vai tirar de alguém para engordar o seu. Também concluiu que se o empresário embutia a CPMF nos preços das mercadorias, esse acréscimo continuará lá. Não vai haver queda nos preços por conta disto. Seria uma ingenuidade acreditar que isso possa vir acontecer para o consumidor. Então fiz um outro questionamento ao meu amigo: se você vê que milhares de nortistas e nordestinos permanecem nas suas terras, e que agora possuem recursos (ainda parcos) que os ajudam na alimentação sagrada do dia-a-dia, sabendo que esse recurso não é mais manipulado ao bel prazer de politiqueiros que usavam esses programas sociais para se perpetuarem no poder, trocando os benefícios por votos, poderíamos contribuir mensalmente com R$ 5 para manter os programas? Onde esse recurso vai ajudar mais? Na minha mão ou na mão dos milhares de famílias que ainda permanecem muito próximas da linha de miséria? Com efeito, meu amigo concluiu que para ele é mais humano saber que está contribuindo para diminuir as desigualdades do país. Logo, para ele não interessa o fim da CPMF. Nesse caso, a quem interessa o fim da CPMF?

No site O DIA on-line de ontem publicou uma mensagem do dr. Jorge Hage que nos convida a uma reflexão:
"O ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, afirmou nesta sexta-feira que o fim da CPMF trará prejuízos não apenas para os programas sociais do governo, mas também para os trabalhos de fiscalização do órgão. Segundo Hage, o imposto permite identificar movimentações financeiras incompatíveis com a remuneração dos agentes públicos (grifo meu) e vinha sendo útil nas investigações da CGU. - Eu acrescento que o fim da CPMF está sendo festejado também pelos corruptos que praticaram desvios e realizaram movimentações financeiras inexplicáveis que a CPMF nos ajudava a identificar - afirmou.”


Bem, aí começou a clarear nossa reflexão. De fato, a CPMF servia também como instrumento de fiscalização sobre movimentações financeiras ilegais –que até bem pouco tempo era uma farra no Brasil. Logo, para eles interessava o fim da CPMF. E quem são estes? Estes são os que financiam as campanhas dos senadores, deputados, prefeitos e vereadores que não tem um mínimo de compromisso com o fim das desigualdades. Estes, que até o governo FHC ganhavam muito dinheiro com transações suspeitas (lembram-se do anão que ganhou 200 vezes na loteria por que Deus ajudou? Lembram-se do PROER?) desejavam e faziam campanhas para o fim da CPMF?

Mas tem uma outra coisa muito importante nesta campanha pelo fim da CPMF e que só os que buscam uma reflexão profunda conseguem alcança-la. Trata-se do jogo das relações de poder que estava ameaçando a hegemonia das elites que se sustentam desde o processo de colonização do Brasil. Eles que sempre disseram o que era permitido e o que não era permitido conceder aos pobres estavam sem o controle disto. Viram ações que poderiam elevar o nível de consciência dos cidadãos e cidadãs brasileiros, que logo questionariam suas práticas excludentes e que, educados e alimentados poderiam concluir que este modelo econômico é perverso e que a democracia não é dada somente no direito de escolha de cada um, mas como direito de ter acesso e usufruir daquilo que eles escolheram.

Não quero escrever um livro aqui. Portanto, estou encerrando com uma sensação de que deixei o debate logo no início. Mas o importante é que o leitor tenha adquirido o bom senso de refletir um pouco mais sobre a questão. E se for o caso, que defenda o fim da CPMF, mas que não o faça sob a ótica que estão forçando-nos a acreditar. O que economizamos com a CPMF vale a pena para justificar o esgarçamento do buraco da previdência? E não será o achatamento dos proventos dos aposentados e pensionistas um outro motivo de quem defende o fim da CPMF? Será que vale a pena economizar R$ 100 por ano para manter milhares de sertanejos miseráveis sem ter o que comer e o que dar aos filhos todos os dias? Será que vale a pena economizar esse merreca para depredar ainda mais o sistema público de saúde do país? A reprodução desse discurso só os privilegia. Depois dessas reflexões, e de tantas outras que poderão ser levantadas, o caro leitor pode me ajudar a identificar a quem interessa o fim da CPMF?