segunda-feira, 30 de junho de 2008

O Acordo Ortográfico: bom ou ruim

para os povos falantes do Português?
por Rildo Ferreira [ferrera13@hotmail.com]



Estou abrindo este diálogo a pedido do meu amigo Almeida (Eugénio Costa), angolano apaixonado por sua terra e por sua cultura. O jornalista e blogueiro reclamou da minha ausência temporal e pediu que eu dissertasse sobre o assunto. Este desafio eu aceitei pois o que me estimula são os desafios. Mas eu nada sabia do acordo e pedi um tempo a ele para me informar sobre o tema.

Bem, eu estou propondo um grande debate com todos e todas que não tem medo de dialogar com o diferente, abrindo mão das suas vaidades patrióticas para discutir algo que é comum a mais de 250 (duzentos e cinqüenta) milhões de pessoas divididas em oito países: Portugal (primeiro a ser citado pela origem da língua), Angola (agora por ordem alfabética), Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

Não é meu propósito defender o acordo [e nem ser contra!], mas discutir suas propriedades e analisar os interesses explícitos e não-explícitos daqueles que se manifestam a favor ou contra o acordo. Eu espero deixar claro que o que eu defendo realmente é que cada povo fale a sua língua do jeito que melhor lhe proporcione uma qualidade de vida digna; superação das dificuldades e resolução dos problemas emergentes; condições para o enfrentamento das coisas modernas do Século XXI; bem-estar social e familiar e lhe garanta paz interior e universal. Se alguma Lei ou convenção ferir esses princípios básicos para o homem e para a mulher, de qualquer idade, opção sexual ou religiosa, sou CONTRA por minha natureza humana. A língua falada deve ser para a promoção da paz interior, social e universal de todos e de todas.

Claro que há interesses comerciais, diplomáticos e culturais envolvidos neste acordo. Mas é por isso que ele é UM ACORDO. Vejamos o significado de acordo segundo Aurélio Buarque de Holanda, lexicógrafo, filólogo, professor, tradutor e ensaísta brasileiro:
Acordo(ô) [Dev. de acordar.]
Substantivo
masculino.
1.Concordância de sentimentos ou idéias; concórdia.
2.Harmonia,
concordância, consonância, conformidade: “Escobar confessou esse acordo do interno com o externo, por palavras tão finas e altas que me comoveram” (Machado de Assis, Dom Casmurro, p. 265).
3.Composição (6).
4.Combinação, ajuste, pacto.
5.Conhecimento inteiro, resultante do perfeito uso e domínio dos sentimentos; consciência:
“Fez-se-lhe rubro o pálido semblante, / Tornou-se-lhe o olhar mais chamejante / E, sem acordo, ruiu, tombou no chão...” (Augusto Gil, Alba Plena, p. 34.)
6.Tino,
prudência, tato, discrição. [Pl.: acordos (ô). Cf. acordo, do v. acordar.] Acordo de cavalheiros. 1.
Entendimento ou acordo em que as partes, cordialmente, dispensam formalidades legais, garantindo-se pela palavra empenhada. [Us., não raro, ironicamente.]

Notem que Acordo significa uma compreensão de todas as partes onde o que se coloca é comum e aceito por todos. Isso pressupõe o romper com a impositividade. Com efeito, quem será capaz de alcançar um acordo quando tenta IMPOR sua posição em relação ao outro? Ora, então o ACORDO ORTOGRÁFICO entre os países lusófonos é um pacto com vistas a um objetivo que deve favorecer a todos os pactuantes. Se o Brasil, como dizem uns, fosse o único beneficiário do acordo, certamente ele não existiria. Logo, faz-se necessário entender porque está sendo concretizado este Acordo. Vejamos o que disse o doutor José Luiz Fiorim da Universidade de São Paulo sobre o assunto:


...a duplicidade ortográfica dificulta a difusão internacional do português, na medida em que os documentos dos organismos internacionais que adotam o português como língua oficial precisam ser duplicados, pois devem ser publicados numa e noutra ortografia; em que a certificação de proficiência de língua portuguesa não pode ser unificada; em que os materiais didáticos e os instrumentos lingüísticos, como dicionários e gramáticas, produzidos numa ortografia não servem para os países que adotam a outra e assim sucessivamente. Para acabar com essa situação esdrúxula, os países lusófonos assinaram, em 1990, em Lisboa, um acordo ortográfico. (Fiorim, 2008)
Este acordo era pra entrar em vigor em 1º de janeiro de 1994, após ser ratificação pelos países que tem a Língua Portuguesa como oficial. Até o momento somente o Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe ratificaram o acordo. “Assim, em princípio, ele está vigente. No entanto, se os outros países não o adotarem, frustra-se a idéia de unificação. Por isso, estamos em compasso de espera” (Idem).



Isabel Pires de Lima: deputada e ex-ministra da cultura de Portugal [foto editada: IOL-On-line]
O deputado europeu Vasco Graça Moura disse na audiência pública na Assembléia da República de Portugal que o “único objectivo real de toda a negociação do acordo... [ao suprimir na grafia as consoantes C e P - servirá para] homogeneizar integralmente a grafia portuguesa com a brasileira, desfigurando a escrita, a pronúncia e a língua que são nossas” ((Diário IOL, 07/4/08) grifo meu). Já a ex-ministra da cultura de Portugal Isabel Pires de Lima, num artigo publicado na edição em 02/6 no Diário de Notícias, periódico português, defendeu estender o prazo para 10 anos para a aplicação do Acordo, e neste intervalo propôs um “consenso diplomático” para a sua revisão, argumentando “razões técnico-linguisticas e culturais”, “razões político-diplomáticas e culturais” e “razões econômicas e culturais”. Em Cabo Verde, a doutora Ondina Ferreira, em artigo disponível na internet sob o título O Acordo Ortográfico do Nosso Desacordo? diz:


Por outro lado, no meio disto tudo, temos que reconhecer que a variante do Brasil é a que sai menos alterada deste novo Acordo ortográfico. Dizem eles que assim estão a internacionalizar e a fixar electronicamente (como eu escrevo e não ainda "eletronicamente" proposto no Acordo) a língua portuguesa. Isto para dizer também que o Brasil não é o dono da Língua portuguesa, como querem fazer crer alguns, por ser maior o número de falantes deles da Língua comum (Ferreira,
2008).
Ora, eis que apresento três versões contrárias ao acordo. Pelo menos, do jeito que está e no tempo que se apresenta. Antes de analisar caso-a-caso estas versões contrárias preciso fazer uma interrupção para apresentar uma tese sobre o que vem a ser a língua falada e sua propriedade social.

A língua é um instrumento que serve para que os homens e as mulheres, de qualquer idade ou sexo, opção sexual ou religião, de qualquer opção política ideológica ou qualquer outra razão dialética, possam se comunicar, fazendo-se entender e entender o outro, de tal forma que, ao fim e ao cabo, possam intervir no meio em que vivem buscando uma melhoria da qualidade de vida para todos e para cada um, com equidade social, respeito às diferenças e equilíbrio ambiental. Mas há muitos teóricos que confundem Língua e Gramática e tentam fazer acreditar que somente com o domínio da Gramática o sujeito é capaz de dominar a Língua. No Brasil, por exemplo, Pasquale Cipro Neto é um deles, assim como foi Napoleão Mendes de Almeida, falecido em 1998 (Bagno, 2007). Ora, uma criança aos 3 anos de idade começa a falar. E fala muito! E o tempo todo! E aos poucos vai dominando a Língua que é falada no meio em que vive. E o que significa dominar a língua que se fala? Significa compreender um conjunto de regras que o falante domina possibilitando-os a produzir frases ou seqüência de palavras compreensíveis e reconhecidas como pertencendo a uma Língua (Possenti, 2006). O que se espera do falante é que ele seja compreendido e que seja capaz de compreender o outro, ou seja, de estabelecer uma comunicação compreensível.

Bechara (1992), um dos mais importantes gramáticos brasileiros, introduzindo a sua moderna gramática portuguesa (p. 23-24) diz que a língua é um “instrumento de comunicação cotidiana, que, sem preocupação artística, tem a seu dispor os múltiplos recursos lingüísticos de entoação e extralingüísticos da mímica, englobados na ‘situação’ em que se acham falante e ouvinte”. E sobre a Gramática ele diz que cabe à ela “registrar os fatos da língua geral ou padrão, estabelecendo os preceitos de como se fala e escreve bem...”. E diz mais: “o gramático não é um legislador do idioma...”. Com efeito! Não é a gramática que vai determinar como um povo tem que falar. Vamos abrir uma pausa para ilustrar esta propriedade: o filme americano Nell, de Michael Apted, protagonizados por Judie Foster e Liam Nieeson, retrata a vida uma jovem que viveu isolada da sociedade em meio a uma floresta longe da civilização urbana sem conhecer outra pessoa até a sua idade adulta desenvolvendo um dialeto próprio. Como foi que ela desenvolveu um dialeto próprio? Ora, vivendo ela e a mãe isoladas da civilização, e tendo sido sua mãe vítima de um sinistro que comprometeu a sua fala, o modo como a mãe se comunicava com a filha foi o modo internalizado por Nell para responder, comunicar, falar com a mãe, de tal maneira que se compreendiam perfeitamente. Logo, Nell sabia falar o seu dialeto com perfeição mesmo sem uma Gramática que a normatizasse.

Voltemos ao Acordo Ortográfico. A Gramática que normatiza a escrita não é determinante para normatizar a língua falada. É impossível escrever como se fala! Vejam: esta minha exclamação é finalizada com o sinal gráfico de exclamação. Mas é impossível àquele que a lê exclamar exatamente como eu a exclamei quando a expressei oralmente. Isso quer dizer que na escrita há uma tentativa de reproduzir a fala. E procuramos fazer isto de tal maneira que aproximamos a escrita do modo como falamos, e não o contrário. Então, se quero dizer cinqüenta –com o trema na vogal u; mas procurando me fazer entender que é o numeral que sucede o quarenta e nove e antecede o cinqüenta e um, se elimino o trema, o sentido continuará o mesmo, e isto não vai alterar a forma como eu falo.

O Brasil e os brasileiros não podem ter a arrogância de querer unificar o idioma falado nos países lusófonos [e nem é isto o que propõe o Acordo Ortográfico!] porque, nem mesmo no Brasil há uma unicidade da língua falada, embora a ortografia gramatical seja a mesma nos 26 Estados e no Distrito Federal que compõem a Federação. Permitam-me explicar um pouco melhor isto limitando o exemplo para não incorrer em injustiças aos muitos dialetos falados no território brasileiro: em todo o país escrevemos o numeral 8 da seguinte maneira: oito. E assim, simplesmente é falado em quase todo o país, mas em alguns (se não todos) Estados do Nordeste sofre uma variação em função da palatização e é falado otio ou oitio. E eu afirmo que só diz que o nordestino fala errado aquele que é impregnado de preconceito lingüístico.

Daí que o deputado português Graça Moura atribui ao Acordo uma desfiguração da língua portuguesa falada em Portugal e da pronúncia (ver citação anterior).Vou fazer um esboço para entender isto. Em Portugal e nos demais países africanos que falam a Língua Portuguesa serão suprimidas as consoantes mudas “C” e “P” ("acção"; "director"; óptmo) e o h inicial de palavras como húmido. Como disse a cabo-verdiana doutora Ferreira:
...às normas fixadas no Acordo e para vos ser sincera, custa-me ter de escrever, na minha variante da língua portuguesa, "ação" em vez de acção, "ator," em vez de actor, "ativo," em vez de activo, ou "ótimo," em vez de óptimo ainda que me justifiquem que nesta última na primeira grafia já lá está o acento tónico grafado e que abre a vogal sem necessidade da consoante "p" muda no caso. Acontece que toda a palavra carrega uma memória com ela. Uma memória etimológica, histórica que me explica e que me remete ao étimo latino, e à filiação do vocábulo.” (Ferreira, 2008)

a supressão destas consoantes, ao meu ver, e mesmo sem conhecer fundamentalmente o léxico e a sintaxe da língua falada em Portugal e nos demais países luso-africanos, pressupõe uma alteração no modo de falar. Nesses países, pelo que pude entender, as consoantes são identificadas foneticamente na palavra quando falada. Então o Acordo mesmo que unifique a ortografia, não unificaria o léxico, a sintaxe ou a semântica; e se desejando unificar também o léxico, a sintaxe ou a semântica, há, sem dúvida, uma interferência cultural no idioma desses povos, isso seria o mesmo que impor uma cultura hegemônica sobre as culturas locais.

Segundo o Diário português IOL-on line, o deputado Graça Moura afirmou que o acordo só beneficiaria o Brasil. Aí eu pergunto: beneficiaria em quê, cara pálida? Vamos analisar outra referência feita ao nobre deputado no Diário IOL. Diz a matéria: “O deputado critica, entre outros aspectos, o facto de o Governo não ter consultado a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) e a UEP (União de Editores Portugueses) quanto à ratificação do acordo” (Diário IOL, 2008). Estranho o deputado não ter questionado uma possível consulta ao povo português, quem de fato deveria opinar sobre a questão, e não somente a APEL e a UEP. Aqui identifico uma defesa que o deputado faz em benefício destas instituições. E é legítimo que ele o faça! Mas que o faça de maneira explicita, sem escamotear sua intenção, já que há um motivo muito mais importante a ser defendido, que é a forma legítima de como estas comunidades falam entre si. Ora, a própria APEL fez uma comparação entre as obras de grandes tiragens nas versões portuguesa e brasileira, concluído que não há diferenças lexicais e morfológicas e, portanto, muito pouco vai mudar. Eu não acho que seja muito pouco. As alterações nas normas brasileiras são mais numerosas, mas o percentual atingido é menor do nosso vocabulário. A reforma afetará 0,5% das palavras no Brasil, e 1,6% nos outros países.

Uma ruptura aconteceu em 1911 quando o governo português fez, à revelia do Brasil, a primeira normatização oficial da língua portuguesa. Desde então, os dois países tentam reaproximar suas grafias diminuindo aos poucos as diferenças entre elas, em especial nas regras de acentuação. Se aplicado efetivamente, o acordo elimina com cerca de 90% das divergências ainda existentes. O estabelecimento de uma grafia única está sendo considerado importante por razões políticas e comerciais. Possibilitaria a adoção do português como língua oficial de órgãos internacionais e reduziria os custos de tradução de livros do Brasil para outros países. Aqui, talvez, esteja o cerne da questão e justifica a preocupação do deputado Graça Moura.

Quanto às preocupações da ex-ministra da cultura de Portugal Isabel Pires de Lima levando-a a propor um “consenso diplomático” para a revisão do Acordo, argumentando “forte desrespeito pela dimensão patrimonial da língua, nomeadamente a sua dimensão histórica etimológica” (Lima, 2008 – disponível na internet) faz sentido. O que não faz sentido nas palavras da deputada portuguesa é a alegação da “Lei de Bases do Património Cultural como um bem cultural, que, portanto, importa preservar e salvaguardar” (idem). Aliás, a própria Lei à qual ela se refere não considera as variações naturais que a língua sofre ao longo das idades. A língua é dinâmica e, portanto, vai se alterando com o passar dos tempos. Basta, para isto, recorrer aos escritos dos séculos anteriores e compará-los aos atuais e será possível constatar que o atual idioma português não é o mesmo de alguns anos antes.

No final do artigo da ex-ministra, ela chama a atenção para as dificuldades que as editoras portuguesas enfrentarão para conquistar “o mercado do livro no espaço lusófono, e muito especialmente nos PALOP” (idem) Ah! Sim. Agora entendemos a preocupação da ex-ministra. Aqui ela deixa claro qual é realmente a sua preocupação. Assim como o deputado Graça Moura, ela está defendendo (e é justo que assim o faça, repito!) os interesses das editoras portuguesas. Agora, convenhamos: porque a sua preocupação em conquistar o mercado do livro nos PALOP? Seria porque a concorrência levaria mais leitura, mais informação e melhor formação a preços justos para os países falantes da língua portuguesa? Seria porque mais informados, mais sábios, os ex-colônias se emancipariam de fato e, portanto, conquistariam mais autonomia diante de uma economia planetária? Os países luso-africanos não se beneficiariam com uma política editorial mais justa, menos escorchante? Ou será uma tentativa de perpetuação de manter os países luso-africanos dependentes de Portugal?

Voltemo-nos agora para Cabo Verde e para as preocupações da doutora Ferreira. Diz a doutora que a variante brasileira da língua portuguesa é a que sai “menos alterada” e que o “Brasil não é o dono da Língua portuguesa”. Tenho que concordar com a doutora que o Brasil e os brasileiros não são donos da língua. Aliás, quem é? Seria Portugal, como disse o deputado Graça Moura? Estou mais para concordar com o gramático brasileiro Celso Pedro Luft (2000) que disse que “não há propriedade privada no mundo das palavras. Elas são de todos, propriedade pública. Mais exatamente: as palavras são do povo, ‘vivem na boca do povo’, soma de todas as camadas sócio-econômico-culturais” (p. 16). Quanto às alterações, no Brasil ela é mais profunda na forma escrita. Falada, as alterações são ínfimas, modestas demais em relação aos outros países. Quero, entretanto, me deter num parágrafo do artigo em questão. Diz o artigo:
Retomando a questão da nova escrita, ou das alterações propostas, seguindo as bases do Acordo Ortográfico - são cerca de 1400 palavras, mas de uso frequente - poderá acontecer que com o tempo e a reabituação - alguém dizia que o pai dele escrevia Farmácia com "Ph" e que ele prendeu já com "F" - lá está, aprendeu, não foi uma alteração nos seus hábitos de escrita - possamos todos adoptar ou "adotar"? o novo modelo de escrita em toda a acepção (em que a vogal "e" é aberta e bem tonificada) ou aceção? (como da variante do Brasil que geralmente emudece a vogal "e"). O futuro ditará...

Ora, senhoras e senhores; aqui temos um clássico exemplo de que a gramática é que se atualiza com a variação da língua. A língua não tem que ser alterada pela gramática. O modelo europeu dos séculos XIX e XX determinava o uso do “Ph” para escrever palavras como farmácia. Mas o falante brasileiro acabou por abrasileirar também a forma de escrever aproximando a escrita da fala, como já abordei em parágrafo anterior. Então, o que a doutora chama de reabituação, ou de adotar uma nova forma de falar as cerca de 1400 palavras a serem alteradas com o Acordo, ao meu ver, só se altera na escrita quando se alterar, de fato, no modo de falar. Talvez, por isso somente, considero que o Acordo não seja exeqüível. De nada adianta dizer que todos vamos escrever ótimo, quando o falante cabo-verdiano, português, angolano, são-tomense, moçambicano, guineano, timorense continuarem a falar óptimo –pronunciando foneticamente o “P”.

Quanto às vogais serem abertas ou fechadas, isso no Brasil é muito comum. Um carioca (Rio de Janeiro) fala c[ô]légio, enquanto um nordestino (cearense, por exemplo) diz c[ó]légio. Mas ambos escrevem colégio. E no caso do exemplo dado pela doutora, se acepção se refere a significação, sentido; um paulista (São Paulo) diria ac[ê]pção (notem que neste caso o brasileiro utiliza o “P” tanto para escrever quanto para falar) com a vogal fechada, enquanto um paraibano (Paraíba) diria ac[é]pção com a vogal aberta, mas todos os brasileiros escrevem acepção. Então a discussão não deve se pautar na questão das vogais serem abertas ou fechadas, mas deve convergir para as palavras que serão alteradas na grafia e que provavelmente irão alterar o modo de falar das pessoas. Então a questão política é: qual o impacto que este Acordo Ortográfico causa na língua falada por uma nação? Por favor, esqueçam a questão quantitativo populacional e nos detenhamos na questão qualitativa cultural. Se no Brasil em nada altera no modo do brasileiro falar, por que em Angola os angolanos têm de suprimir as consoantes de suas falas? E não me venham com o argumento de que a alteração só se dá na ortografia, pois alterando a ortografia, certamente altera-se o modo de falar, pois há uma tendência natural das pessoas falar como se lê. Daí que ler ótimo, certamente falarão ótimo, sem o “P” que tradicionalmente usam ao falar. Parece que estou sendo contraditório ao dizer isto, já que anteriormente eu afirmei que a escrita é que tenta reproduzir a fala e não o contrário, não é mesmo? Mas, qual o brasileiro que vê escrito óptimo e lê ótimo? Se a escrita é que tenta reproduzir a fala, quem escreveu óptimo queria ser interpretado assim. Se isto vale para os brasileiros, para os povos português e luso-africanos o recíproca é verossímil. Passando a escrever ótimo, diretor, fato querem que esses povos falem ótimo, diretor e fato. E isso é provocar imperativamente uma violação em suas culturas.

Para finalizar, reconhecendo estar inconcluso este diálogo, eu não vejo sentido no Acordo senão o de proporcionar aos países luso-africanos uma maior oportunidade de acesso aos livros e revistas produzidos pelo Brasil que, por sua capacidade de produção, os fazem com valores mais justos e isso possibilitaria uma democratização na educação para todos e todas. Esta seria a grande preocupação de Portugal -perder esta fatia de mercado? Sendo ou não este o motivo da discórdia, o fato é que o Acordo já está valendo para os três países que o ratificaram: Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. E vale capenga, já que ainda há indefinições quanto ao hífen segundo Godofredo de Oliveira Neto, presidente do conselho diretor do Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP), órgão da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O fato é que seria muito interessante que todos os países que tem a Língua Portuguesa como oficial pudessem utilizar uma ortografia comum respeitando o modo de falar de cada um. E seria interessante porque, ao meu ver, os países lusófonos, sobretudo os mais pobres, poderiam se beneficiar com um volume maior de informações literárias e técnico-científicas, proporcionando a todos e a todas acesso ao saber epistemológico, se não gratuitos, a preços mais justos.

Referências Bibliográficas:

Bagno, Marcos. Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz. 49a. ed. São Paulo. Loyola, 2007

Bechara, Evanildo. Moderna gramática brasileira: cursos de 1o. e 2o. graus. 34a. ed. São Paulo. Companhia Editora Nacional, 1992.

Ferreira, Ondina. O ACORDO ORTOGRÁFICO DO NOSSO DESACORDO? Cabo Verde: Expresso das Ilhas, 2008. Disponível na Internet no endereço http://www.expressodasilhas.cv/noticias/detail/id/3294/ acessado em 23/6/08 às15:17h.

IOL-On Line. Acordo deve ser estudado e depois rejeitado: Lisboa: IOL Portugal On-line, 2008. Disponível na internet no endereço: http://diario.iol.pt/sociedade/acordo-ortografico-vasco-graca-moura-carlos-reis-portugues-lingua/937190-4071.html: acessado em 25/6/08 às 16:25h.

Lima, Isabel Pires de. EM FAVOR DA REVISÃO DO ACORDO ORTOGRÁFICO: TRÊS ORDENS DE RAZÕES 'CULTURAIS’: Lisboa: Diário de Notícias, 2008. Disponível na internet no endereço http://dn.sapo.pt/2008/06/02/artes/em_favor_revisao_acordo_ortografico_.html: acessado em 25/6/08 às 14:45h.

Possenti, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. 16a. ed. Campinas, SP Mercado de Letras, 2006.

Luft, Celso Pedro. Língua e Liberdade. 3a. ed. São Paulo. Ática, 1996.
Fiorim, José Luiz. E Agora Portugal?: publicado na revista LÍNGUA PORTUGUESA, fevereiro de 2008. Disponível na internet no endereço www.marcosbagno.com.br/for_fiorin.htm acessado em 23/6/08; 14:28h.




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6 comentários:

ELCAlmeida disse...

Meu caro,
Tomei a liberdade de o citar no Portugal em Linha/Lusofonia e no Pululu.
Um pequeno ensaio para ler e reflectir com calma.
Cumprimentos
Eugénio Almeida

Anônimo disse...

Eu também penso assim e acho que esse acordo nao vai da certo. isso so vai confundi a cabeça das criaças.

ELCAlmeida disse...

Das duas, três: Ou as pessoas ainda não tomaram consciência do debate que está, naturalmente, provocar o Acordo, ou as pessoas estão cpmpletamente nas tintas para ele e depois não se queixem quando, para o bem ou para o mal, consoente as diferentes análises, ele começar a fazer efeitos, ou, então, os dois casos são veraddeiros.
E de acordo com o Governo brasileiro, se for por diante a sua vontade, o Acordo entra em vigor no Brasil a 1 de Janeiro de 2009!
Depois não haverá volta a dar!
Cumprimentos
Eugénio Almeida

Anônimo disse...

Sinto que toda mudança é precedida de muito temor e desconfiança. Ao meu ver, o problema posto está na forma como está sendo conduzido o Acordo sem um grande debate popular entre as populações falantes da língua portuguesa. Eu tentei dar a minha contribuição num momento pós-Acordo, já que as mudanças já estão em fase de implementação. E agora? Há que se esperar para ver se o Acordo emplaca de FA(C)TO ou se será esquecido pelas comunidades?

Anônimo disse...

Se é suposto que a língua se adapte à fala, então, é apenas uma questão de tempo até que os erros sejam legitimados. Realmente, toda esta questão do Acordo Ortográfico é pouco mais do que uma cedência ao facilitismo. Numa palavra: uma tristeza!

Anônimo disse...

Minha gente, desculpem a minha ignorância , mas até agora não consegui ver nenhuma vantagem nesse acordo ortográfico, incoerente, cheio de desacordos em si mesmo, que tem deixado confusos até nós, os professore de Português, imaginem as cabecinhas que, a duras penas, já começavam a aprender nossa ortografia...Quem ganhou com isso, minha gente?! E o quê? Num país onde a educação está relegada ao mais humilhante descaso, onde os professores das escolas públicas, como eu, não recebem do Estado uma gramática sequer ou um mísero dicionário, centenas de milhares de livros tornaram-se obsoletos. Tudo por um capricho que não leva a lugar nenhum. Uma tentativa boba e inútil de acabar com as diferenças linguísticas entre os países de língua portuguesa. Ora, as diferenças sempre vão existir, mesmo dentro de um único país, como é o caso do nosso Brasil. E isso é, exatamente, a meu ver, o que torna a nossa língua mais rica e mais interessante. Todas as línguas faladas em diferentes países (e até continentes), como o inglês, o espanhol, o francês, etc, apresentam em cada lugar as suas peculiaridades, e é natural que seja assim, pois a língua, como a identidade de um povo é o retrato de sua cultura, de sua história e deve, por isso mesmo, ser respeitada e preservada com suas diferenças.