segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

O MEC não pára de errar

Por Rildo Ferreira


Estou a me debruçar sobre o texto do Ghiraldelli (foto) por razões pessoais. Eu o tenho como referência e em quase todos os meus produtos acadêmicos faço citação aos seus trabalhos. Quando vi na coluna de Notas & Notícias deste blog o título da dissertativa, e por se tratar da área de educação, que é a área que me proponho na minha formação acadêmica, deparei-me com uma crítica ao Programa de Desenvolvimento da Educação do governo federal.
A primeira vista, me pareceu que o nobre educador e filósofo sofre da “síndrome do desejo de que tudo dê errado” no que está proposto. Aprofundei-me na reflexão tentando apropriar-me (sem conseguir, é claro!) da visão a partir da posição do educador-filósofo. Logo, cheguei a conclusão que a sua crítica pode não estar inteiramente correta (embora seja a verdade segundo o seu modo de ver), mas abre uma discussão interessante sobre o papel social na educação das nossas crianças.


A educação formal pública é a cota de responsabilidade do Estado nesse esforço social mais amplo, que não se desenrola apenas na escola pública, mas em lugar na família, na comunidade e em toda forma de interação na qual os indivíduos tomam parte, especialmente no trabalho (PDE).” Muitos autores criticam duramente o papel da escola enquanto compensatória, aquela que substitui a família no papel de cuidar das crianças. Com efeito. Se a escola passa a desempenhar o papel de cuidadora das crianças, deixa de exercer sua função fundamental, que é o de estimular a busca do saber, da busca do conhecimento científico, partindo da curiosidade ingênua (Freire*, 1996) inata nas crianças. Ghiraldelli afirma que os objetivos do PDE “são vagos e mal redigidos”. Sob esse aspecto é preciso levar em conta àquele que o lê. Ora, senhoras e senhores; o que diz o plano a respeito da participação de todos? Diz o plano que o Estado faz uma parte de um processo cujo o todo envolve a comunidade, a família, o trabalho, a vida coletiva etc.


Vamos simular um exemplo de participação do coletivo na educação de uma criança. Um grupo de amigos e seus filhos resolveram ir ao Morumbi ver um jogo histórico da Seleção Brasileira e a Seleção de Guiné-Bissau, cuja renda se reverterá em ajuda humanitária para os pobres daquele pequeno país africano. Naturalmente que todos esperam que os craques brasileiros façam uma grande exibição diante de uma Seleção que não tem tradição no esporte. Lá, se decepcionam. O Brasil joga muito mal e, ainda no primeiro tempo, Guiné-Bissau vence por 1x0. Diante do fracasso brasileiro passam a chutar as cadeiras do estádio e a proferir palavras não publicáveis para expressar seu descontentamento. O que estas crianças aprendem com esse gesto? Ali não ocorreu um processo de ensino-aprendizagem? Quem aprendeu foram as crianças, mas quem ensinou não foram os professores em sala de aula. Eis um clássico exemplo da participação da comunidade no processo educacional brasileiro.


Daí que a sua crítica “Ninguém mais poderia ir para o trabalho caso essa idéia vingasse, pois todos nós teríamos de ir para a escola para ajudá-la a funcionar” não procede. Nosso papel enquanto comunidade não é o de substituir o Estado, mas o de perceber que em convivência com as crianças todos somos educadores. Logo, nossas atitudes precisam ser vivenciadas de modo a formar cidadãos que busquem a viver de modo digno, justo e solidário. Ghiraldelli continua a ser contundente em sua crítica ao afirmar que “Uma das partes que o PDE quer resolver, mas não conseguirá, é a da formação de professores do ensino básico (fundamental e médio). Temos carência de professores no Brasil. Ao mesmo tempo, os que estão nas salas de aula não estão conseguindo dar conta do recado, pois temos claro que nossos alunos são qualitativamente inferiores ao que poderíamos esperar de um aluno brasileiro”. Bem, aqui preciso tecer algumas considerações. O Brasil tem carência de professores BEM formados, e não carentes de números de professores. O que precisa ser feito é CONTRATAR esses professores e coloca-los em sala de aula. Mas como fazer isto se a imprensa ideológica e os “baluartes da moral e dos bons costumes” exigem a redução do Estado? Quanto aos que estão em sala de aula ( se se refere aos professores em formação) serem qualitativamente inferiores é preciso compreender que estão sendo formados por outros que já estão formados. Daí, decorre que estes (os formadores) não estão comprometidos com o que chamamos de qualidade. Independente do nome que se dá às disciplinas básicas da Pedagogia, o que importa é o conteúdo e a forma como esse conteúdo está sendo aplicado na formação dos novos professores.

O que o PDE propõe com a Universidade Aberta? “A UAB dialoga, assim, com objetivos do PNE: ‘Ampliar, a partir da colaboração da União, dos estados e dos municípios, os programas de formação em serviço que assegurem a todos os professores a possibilidade de adquirir a qualificação mínima exigida pela LDB, observando as diretrizes e os parâmetros curriculares’ e “Desenvolver programas de educação a distância que possam ser utilizados também em cursos semipresenciais modulares, de forma a tornar possível o cumprimento da meta anterior (MEC)”. O que diz Ghiraldelli? “Acreditar que alguém que está no ensino básico, com os salários defasados como estão, vai melhorar sua capacidade intelectual e pedagógica pelo contato com um sistema virtual de ensino, que dificilmente pode chegar com eficácia aos lugares mais carentes, não é algo que se deva fazer”. Ora, não é isso que demonstram os resultados dos cursos à distância oferecidos pelo sistema CEDERJ envolvendo universidade como a UFF, UERJ, UENF, UNI-Rio e UFRJ**, que superam, em muito, a qualidade se comparadas à algumas Universidades privadas. Aqui sim, está um dilema a ser questionado. Ora, no Brasil, temos vivido a indústria dos diplomas, a McDonaldização da Educação. O que me chama a atenção é o grande número de professores nas Universidades privadas que atuam como professores nas Universidades públicas. Eis, então, uma crítica da qual comungo com o educador Ghiraldelli. Qual seja: a da aviltante remuneração do educador brasileiro, empurrando-o a duplicar sua jornada para melhorar seus rendimentos.

Mas quanto a isso, o PDE também deu um passo importantíssimo. Não tanto quanto devia, mas um passo irreversível que se dá em direção ao que se deseja. Vejam: “Um dos principais pontos do PDE é a formação de professores e a valorização dos profissionais da educação. A questão é urgente, estratégica e reclama resposta nacional. Nesse sentido, o PDE promove o desdobramento de iniciativas fulcrais levadas a termo recentemente, quais sejam: a distinção dada aos profissionais da educação, única categoria profissional com piso salarial nacional constitucionalmente assegurado, e o comprometimento definitivo e determinante da União com a formação de professores para os sistemas públicos de educação básica (a Universidade Aberta do Brasil7 – UAB – e o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID)”.

Ao finalizar, Ghiraldelli comete, ao meu ver, uma dicotomia verbal. Diz ele: “O Brasil não pode ficar restrito aos cursos de Pedagogia para formar professores. Esses cursos proliferaram demais e são fracos - em todos os sentidos”. Entendo que não ficar restrito é o mesmo que AMPLIAR, permitir outras áreas para a formação de professores; mas se proliferaram demais isto quer dizer que há oferta suficiente para a formação de professores, logo, desnecessário ampliar para outras áreas a questão da formação dos professores. Quanto ao fato de serem de baixa qualidade (fracos), nisto estamos de acordo. Mas também quanto a isto, o PDE propõe “‘A União, o Distrito Federal, os estados e os municípios, inclusive em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial, continuada, e a capacitação dos profissionais de magistério’. Para dar conseqüência a essas responsabilidades, a União necessita de uma agência de fomento para a formação de professores da educação básica, inclusive para dar escala a ações já em andamento”.

Eu vou encerrar por aqui reconhecendo que esse debate está no seu início. Antes, portanto, preciso dizer que esse discurso do educador Ghiraldelli, ao meu ver, está carregado de ideologia e pessimismo exacerbado. Que tal se todos nós educadores, formados e em formação, debruçássemos sobre o tema para ver o que é que cada um pode fazer para contribuir, reconhecendo que esse Brasil é nosso e precisa dar certo.

(*)
Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa/São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura)
(**)
UFF – Universidade Federal Fluminense
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UENF – Universidade Estadual do Norte Fluminense
UNI-Rio – Universidade do Rio de Janeiro

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

Paulo Ghiraldelli Jr. é filósofo e escreveu para o jornal O Estado de São Paulo

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